segunda-feira, setembro 09, 2013

Tour de France

A Volta à França de 1930 foi determinante para o futuro da mesma. Dominada nos últimos anos da década de vinte apenas por uma ou duas equipas, com pouca luta nas estradas, Henri Desgranges decide passar a disputar a prova com equipas nacionais, substituindo o dinheiro das equipas comerciais por uma caravana publicitária que chamava dezenas de milhar de pessoas à estrada, à procura dos brindes. Com este apelo ao nacionalismo a Volta à França internacionalizou-se como nunca. Logo em 1930, a maior estrela do ciclismo até então, Alfredo Binda, vencedor de cinco Giros, apresentou-se pela primeira vez em França como chefe de fila italiano. Caiu com dureza à 7ª etapa e abandonou na 10a etapa. Learco Guerra foi o italiano que ficou, quase sózinho, a defrontar a esquadra francesa - fez segundo lugar. Ganhou o francês Leducq, Demuysere foi o primeiro belga. Charles Pélissier, o mais novo de três irmãos ciclistas, ganhou oito etapas, um record igualado mas não ultrapassado... por Merckx. Os irmãos Pélissier tinham ficado famosos entre outras coisas por uma reportagem onde descreviam a verdadeira farmácia que os acompanhava e mantinha a correr. "On cour au dinamite!". Nessa reportagem nasceu a expressão "forcados da estrada"! O livro da prova de 1930 - com as etapas, o regulamento, etc., avisava que a organização da Volta à França não fornecia "les pilules"... Finalmente, 1930 foi o primeiro ano em que os ciclistas puderam ser assistidos por mecânicos e inclusivé mudar de bicicleta. Anos antes um ciclista com o quadro da bicicleta partido concertara a mesma na forja dum ferreiro de aldeia na presença dos juízes da prova e depois continuou a correr, outro trocara de bicicleta como uma senhora da assistência e fora penalizado...

Listas, listas, listas...

Onde estão elas? Aqui vai uma: Os dez maiores ciclistas portugueses de todos os tempos: José Maria Nicolau, João Rebelo, Alves Barbosa, Ribeiro da Silva, Joaquim Agostinho, Fernando Mendes, José Martins, Acácio da Silva, José Azevedo, Rui Costa. Como se chega a esta conclusão? Através dos resultados obtidos por estes rapazes no exterior. O exterior para Portugal sempre significou Espanha primeiro, França depois. Acácio da Silva foi uma excepção pois fez-se ciclista nos anos 80 no Luxemburgo (ele e um irmão mais velho) e fez carreira no circuito europeu, com base em Itália, até com mais regularidade do que Agostinho antes dele. José Maria Nicolau foi o único destes a não competir no exterior a não ser quando se inventou uma prova Madrid-Lisboa, sponsorizada por Franco e Salazar, em 1939. Que aliás só aconteceu nesse ano. José Maria Nicolau venceu duas etapas mas o vencedor final foi Mariano Cañardo, o maior corredor espanhol dos anos trinta. Nicolau vencera antes duas Voltas a Portugal e tivera uma grande rivalidade com Alfredo Trindade, num Benfica-Sporting aplicado ao ciclismo. O Madrid-Lisboa já lhe apareceu no ocaso da carreira. Quatro vezes Campeão Nacional de Estrada, vencedor de três Porto-Lisboa (uma das clássicas do ciclismo mais antigas e mais longas, desaparecida porque a distância foi declarada "ilegal"...). Mariano Cañardo, já agora, nunca venceu uma Volta/Vuelta a España. A Volta a España só se iniciou a 1935(trinta anos depois das provas italiana e francesa) e só ganhou regularidade em 1955. Ganhou sim cinco vezes a Volta à Catalunha, a prova espanhola mais importante antes da Vuelta aparecer e com início em 1909. Teve também direito a conseguir um sexto lugar num Tour de France, não a melhor classificação de um espanhol até então, Salvador Cardona conseguira um quarto lugar anos antes. O primeiro top-ten português numa Grande Volta estrangeira foi obtido por João Rebelo, integrado numa das selecções portuguesas que nos anos quarenta disputava a Vuelta, quando esta acontecia. Em 1945 João Rebelo foi sexto na Vuelta e ganhou uma etapa. Repetiu em 46 o top ten, sendo décimo. Pode dizer-se que a Vuelta nestes anos de guerra não recebia a visita dos corredores italianos, franceses, belgas, os melhores do mundo, mas o pelotão espanhol por si já era bastante forte. Em 46 o nosso melhor sprinter de então, e um dos maiores de sempre, João Lourenço, venceu duas etapas. Tinha ele sido aliás o primeiro português a vencer uma etapa fora de portas, uma etapa da Volta a Catalunha em 1942, mais uma vez a guerra a facilitar a concorrência... João Rebelo, ciclista do Sporting, nunca venceu uma Volta a Portugal, curiosamente, sendo nisto um antecessor longínquo de um Acácio da Silva ou de um José Azevedo... O primeiro top ten numa Volta a França pertenceu a Alves Barbosa, um fantástico décimo lugar em 1956. Alves Barbosa teve também o seu rival, Ribeiro da Silva, que obteve um quarto lugar na Vuelta em 1957, à frente de grandes corredores internacionais como Geminiani, Fornara, Nencini. Nesse ano Ribeiro da Silva foi ao Tour passar em primeiro lugar no Tourmalet, à frente de Anquetil. Ribeiro da Silva morreu em 1958 num acidente de motorizada. Joaquim Agostinho é, claro, o detentor de todos os records. Duas vezes terceiro em França, uma vez segundo em Espanha. O primeiro top ten em Itália pertenceu a Acácio da Silva em 1986, um 7º lugar. Acácio da Silva tem o record de etapas em Grandes Voltas, oito, mais uma do que Agostinho. Paralelamente à carreira de Agostinho outros dois corredores portugueses conseguiram bons resultados no estrangeiro, Fernando Mendes e José Martins. Fernando Mendes começou a sua carreira de cilcista na Ovarense, à sombra do seu irmão mais velho, Laurentino. O melhor resultado no exterior foi em 1975, um sexto lugar na Vuelta à frente duma equipa do Benfica. Nesse mesmo ano José Martins foi oitavo enquanto chefe de fila de uma equipa da Coelima, empresa com tradições no ciclismo. José Martins teve uma carreira no pelotão internacional meritória, integrado nas equipas espanholas KAS e Teka. Conseguiu posições de top five e/ou vitórias de etapa em várias clássicas espanholas - Volta à Catalunha, Volta a Aragão, Volta ao País Basco... Chegámos a José Azevedo. Os seus sexto e quinto lugares no Tour ao lado de Lance Armstrong merecem o benefício da dúvida - o seu nome nunca saiu a público no enorme lavar de roupa suja que rodeou Lance. Não esquecer que antes, como lugar-tenente de Abraham Olano na ONCE, fora 5º em 2001 em Itália, ultrapassando a marca de Acácio da Silva. E agora, há Rui Costa... O ciclismo e a sua história é como as cerejas...

quarta-feira, setembro 04, 2013

Troia merece um beijo?

"De cigano pra cigano, nã quer comprari? Baxe prá polícia nã vere...". Estávamos na fila para o Ferry e vários homens de etnia cigana queriam vender-nos relógios e óculos de sol. Percebi que sabia regatear - nem me pareceu difícil - e para fim até tive pena, os relógios eram bem giros. Tróia está completamente domada. Troiaresort.sonae.com, suponho. Estacionamento só de madrugada, muito longínquo ou subterrâneo. Subindo as escadas à direita uma Worten, à esquerda uma Sportzone. Almocei um bom bife de atum no Ribamar, virado para a baía e para Setúbal. Ser empregado de mesa é viver em conflito, assim viviam. O bife de atum, morto e bem confeccionado, foi em paz apreciado. A praia logo ali, e fomos. O Design Hotel, visto de perto, parece mais um capricho do que um belo hotel. Melhor vê-lo de longe. Mas, agora a sério, Troia está bem e recomenda-se.
A foz do Sado deve ser o paraíso das alforrecas. Vistas do ferry achamos giro. Abandonadas na areia da praia. Nem por isso. Abstive-me de assustar a Cata, delirante dentro de água, mas estive atento. Em Portugal faz vento e o Troiaresort.sonae.com não ia ser excepção. Ao voltar no ferry ainda mais alforrecas do que à ida, centenas e centenas. O ferry parecia abrir caminho num mar de alforrecas. Golfinhos não vi o que me criou dúvidas sobre a cadeia alimentar na foz do Sado. O Ribamar não tinha sido barato pelo que, após alguma piscina buscámos o Mac de Setúbal. Existe, claro, anexo a um Jumbo como se uma cafetaria do mesmo se tratasse. Como pode?
Pena tive de não ter comprado um relógio...

Não entretem o Poente de Lisboa como a casa de Gente Boa.

Quinta-feira foi o dia reservado para jantar em casa de gente Muito Amiga. O Luís e a Cláudia são pais de três valerosas raparigas. A do meio estava algo adoentada, pelo que o convívio teve de ser restrito ao jantar. Como sobreviver até lá? Voltámos a falhar a exposição da Joaninha. Desta vez, pelo contrário, a expo não só estava aberta como tinha uma fila para adquirir bilhetes de umas sessenta pessoas. Passámos. Estranho foi poder visitar o claustro dos Jerónimos de graça. Vê-lo não, eram às dezenas, e nem o claustro mais bonito do mundo resiste, ou quase. Se vou a Lisboa e não visito os Jerónimos passa-se qualquer coisa. Ter acontecido os Jerónimos justifica um País. Almoçamos numa pizzaria muito perto do Padrão dos Descobrimentos. Pelos vistos agora é muito in soprarem-nos uns borrifos de água para cima em calor havendo. No começo é giro, para o fim irritante. Depois acudi ao recém aberto - mas, descobri, despido - Museu de Arte Popular. Pavilhão da exposição do Mundo Português de 1940 reconvertido a museu em 48, esteve muitos anos abandonado. Entrar nele é uma viagem ao Portugal idealizado dos anos quarenta, idealizado pelo Estado Novo e curiosamente com a colaboração de alguma intelectualidade plástica- esculturas exteriores de Barata Feyo, murais interiores de Carlos Botelho e Eduardo Anahory...
Meio século depois ergueu-se outra história para ser contada, o CCB. Que em dez anos seria tomado e parasitado pelo nosso "aveque"-"nãoaveque"-"sulafricanomadêrense" Joe Berardo. Fomos ao Museu Berardo. O Museu Berardo é de entrada grátis, livre, frei, free. Por isso é mais visitado do que Serralves. Divide a sua exposição em dois sectores, 1900-1960 e 1960-2010. À entrada de cada sector por ordem alfabética exibe-se os nomes de tooooodos os artistas. Não está tudo. Mas há muito. Desde Khitaj a Picasso. Desde Balthus a Picabia. Alguns portugueses seleccionados. O retrato de Berardo por Pomar, encomenda não paixão, pareceu-me, à entrada. Gostei mesmo muito duma série de fotografias de Fernando Lemos. O museu Berardo também cansa. A igreja-salão dos Jerónimos só pôde ser visitada ao fim da tarde. A minha filha ficou muda de espanto. Eu fico sempre.
Fomos jantar com gente Muito Amiga e isso foi Muito Bom. Mas por aqui me fico.

Sempre houve Lisboa, n'est ce pas?

Percebido de dias anteriores que o mar à volta de Setúbal estava "tomado" e "domado" por um outro mar mas este de gente, decidi para o terceiro dia de umas curtas férias apontar a Lisboa. Primeiro tentou-se a exposição de Joana Vasconcelos no PN da Ajuda. Surpreendido com o pouco movimento só depois de estacionar me apercebi que a exposição estava fechada. Meditabundo (palavra gira), reencaminhei a nossa expedição para o Jardim Botânico da Ajuda, pouco abaixo. Um elegante parque na encosta da colina quase extra-muros onde, por ilusão de segurança, os reis tinham decidido construir um palácio depois do terramoto, palácio que nunca foi terminado. As paredes por acabar, as janelas cegas, vêem-se do Jardim Botânico. Num dos lados um restaurante - Estufa Real - onde o senhor simpático e obeso que nos vendeu as entradas mencionou ter "o José Sócrates" organizado baptizados e/ou comunhões de "vários" filhos. Mencionei desconhecer ter o ex-primeiro-ministro descendentes directos, ficámos pela expressão "sobrinhos". Uma forma de a minha aperceber-se das dimensões de Lisboa, para além da entrada pela Ponte sobre o Tejo, é - e foi - o calmo fazer do caminho marginal desde a Ajuda até ao Parque das Nações. Os objectivos eram dois: CC Vasco da Gama e Oceanário. Embora com um fluido trânsito de Agosto a coisa fez-se demorar. Conseguimos almoçar sentados no Mac do Vasco da Gama, algo só possível devido à persistência e faro da Cata. O Vasco da Gama é o CC mais giro que eu conheço por cá, e ainda tem aquela coisa gira da água a escorrer por cima, apesar da crise. Depois fomos ao Oceanário. Nós e dezenas de "aveques". Isto da "Gaiola Dourada" ser um êxito e tal não impede que o françuguismo disseminado e as placagens e as carga para-além-do-ombro com o objectivo imediato de melhor ver o peixe e fotografá-lo e filmá-lo e aterrorizá-lo tornaram a visita ao aquariozinho um pouco menos do que habitualmente é: memorável. Um PS: parem de alimentar aquele tubarão ali, porque ele já quase não cabe, certo?
Retornámos à baixa e triangulámos as praças de referência, Figueira, Rossio, Restauradores. Tentei resistir a entrar no Hard-Rock Café e na tentativa acabei por esbarrar nele - fica no antigo Condes... e entrámos. Consegui lanchar e não ficar para jantar. A empresa Hard-Rock Café pertence a uma tribo índia, os Seminole da Florida, inc.,  especialistas em diversão e jogo. São riquíssimos. Eu e a minha filha discutimos demoradamente sobre se seriam originais ou cópias os instrumentos musicais e as peças de vestuário expostas nas paredes. Parece que ela tem razão. Ouvi Prince e U2 e Bruce bastante alto. Não foi mau, fomos depois comprar pin's e a miúda da loja era muito simpática. Voltámos a Setúbal e, para fugir da má comida fomos ao Portugália que fica junto ao cais dos Ferrys. Nunca comi bem nos Portugália do Porto. Em Setúbal comemos. O bife de hamburger da minha filha estava supino. Uma surpresa que se adicionou ao facto de que nesse dia também dormimos bem: estávamos de férias, certo?

Felice Nazzaro 1881-1940

Felice Nazzaro foi a primeira grande estrela das corridas de automóveis: aos 26 anos, ao volante de carros FIAT, venceu em 1907 as três provas mais importantes do ano, o Targa Florio em Itália, o KaisersPreis na Alemanha e o Grand Prix em França. Cada corrida era sob regras diferentes, com limitações diferentes, durações diferentes, características diferentes, etc. Nazzaro ganhou-as todas porque, mecânico antes de ser piloto, sabia que era preciso ter calma, deixar estourar os outros e depois ganhar. Ganhou fama de sortudo (isto é, nunca teve grandes acidentes) e perguntavam nas corridas sempre "dove Nazzaro?" - mais tarde ou mais cedo o primeiro lugar seria dele, era essa a impressão geral. Interrompida a carreira por uma Guerra Mundial, paragens na produção FIAT e uma aventura chamada "Nazzaro & C.", voltou a ganhar o Grand Prix francês em 1922, quinze anos depois da primeira vitória, ao fim de mais de seis horas de condução e a mais de 100 km/h de velocidade média, outra vez num FIAT. Morreu um sobrinho seu na mesma corrida por despiste, com um carro igual ao seu
. A esposa morreu meses depois num acidente de viação. Parou de correr em 1925, ficando ligado à FIAT. O seu sucessor na FIAT, Pietro Bordino, morreu em 1928 na pista de Alexandria (Itália), quando se atravessou um cão à sua frente. Porque falo de Felice Nazzaro? Porque na minha fúria de listas dos últimos tempos o primeiro, o mais velho dos vinte maiores corredores de Fórmula Um/Grand Prix Racing de todos os tempos é/foi Felice Nazzaro.