domingo, fevereiro 06, 2005

Das Escadas Rolantes

Lembro-me da primeira vez que andei numa escada rolante. Foi no Brasília, acho eu. Há muitos anos. E nesta memória longínqua e incerta está porém já a razão deste escrito: eu não andei na escada rolante: ela é que andava, subindo comigo às costas, ou descendo depois. Andar nas escadas rolantes, diversão ainda das preferidas da nossa juventude mais tenra, não é andar, é deixar-se levar. Quanto muito, andamos, corremos ao desvario quando tentamos subir na escada rolante que desce, e é só.
São hoje em dia os portugueses um povo apressado. Correm como não corriam antes. Pergunto-me porém se esse correr é sentido, se não é parte também desta montra preocupada que levamos no dia-a-dia e que faz parte desta crise emocional em que entrámos nos últimos anos do guterrismo, túnel do qual ainda não vislumbramos a saída.
E explico: corremos, corremos. Chegamos à escada rolante e... paramos. A escada rolante sobe-nos ao andar acima, e aí voltamos a correr. É isto ter pressa ?
Eu raramente corro. Sou português, portanto meço o meu passo, proporciono-o às circunstâncias. Tenho então um passo apressado. E quando chego a uma escada rolante deparo com o portuguesismo habitual de não deixar a esquerda para quem tenha mais pressa. Uma escada rolante serve para duas coisas: ou para nos debruçarmos, apoiados na balaustrada como se fosse uma varanda, e para os dois lados, ou para hirtos pararmos a correria e fazer um balancete do atraso ("ora falta-me ir aqui, ali, comprar isto e isto..."). Uma terceira opção é algumas actividades soft-core que ao menos distraem quem sofre a obstrução no caminho ascendente.
Pode-se sempre activar o código "com-licença", mas como sabemos, é um código mal-visto: quem tem mais pressa do que nós ? Onde vai este gajo com tanta pressa ? Quem julga ele que é ? Quem pede para passar/ultrapassar numa escada rolante, ao chegar ao fim da mesma e não desatar a correr feito o Obikwelu, é um parvalhão, um estúpido. Será apontado a dedo, ou lembrado para obtruir na próxima oportunidade. Ou ultrapassado com gosto por quem mal acaba a dita escada volta a ter muita pressa.
São os portugueses um povo activo, que remédio. Mas que se pudesse não o ser, que bom seria. Os dinheiros comunitários de há dez-quinze anos foram uma escada rolante que o português aproveitou com gosto, pois até nem teve de mexer as pernas. A escada é que subiu com ele. Neste piso em que estamos agora, tanto há para comprar que até doem os olhos.
Querem agora que o portuguesinho suba mais, mas "a pé"...
É o sobes !

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