The Age of Innocence
Venho por este meio pedir ajuda para descobrir o porquê de um nome de um livro, e de um filme que a mesma história conta, e deste até mais, porque é do deslumbramento que o dito filme me provoca que vos quero falar.
“Age of Innocence”, porquê? 1993, ano entre os anos. Ano de Martin Scorcese nos contar uma história. Com os dados a serem lançados logo no genérico de apresentação: sob diáfanas rendas, o abrir primeiro lentamente, depois cada vez mais rápido de flores e flores, corolas e corolas a exporem-se à paixão..
É isto a vida, é isto a paixão, o amor ? Então, assim preambulados, de que inocência estamos a falar ? A voz de Joanne Woodward a narrar é uma voz inocente ? A realização em hipérbole no gesto e na cor de Scorcese é inocente ?
Teatro das emoções por excelência, o realizador faz-nos entrar directamente na representação de uma ópera em Nova Iorque, 1870. E do outro lado do espelho, o outro teatro, de pequenos passos, artisticamente cuidado, a sociedade novaiorquina, cuidadosamente cerzida no luminoso século. E os nossos protagonistas, o triângulo clássico, duas mulheres, um homem.
Ele Newland, filho e pilar de uma das melhores famílias, ela May, a sua futura noiva, o frágil e perfeito pilar outro do casal modelo; e sua prima, Mmme Olenska, recém chegada da europa após um casamento desfeito com ruído.
Ele (Daniel Day-Lewis) vai oferecer-se a tarefa de a integrar na difícil grelha novaiorquina, onde uma mulher que se separa é menos que uma viúva. Protege, defende, promove, aproxima-se, queima-se, termina subjugado. Porquê a paixão, quando o mero fascínio era logo tão previsível ? Ela (Michelle Pfeiffer) é diferente. Cheira a essa coisa chamada europa. Fuma. Embora não se rebele, agradecendo. Ela é uma janela para mundos insuspeitos, apenas entrevistos possivelmente em livros, ou sonhados entre o fumo de duas cigarrilhas. Como não querer fugir ?
Mas Nova Iorque está à espreita. Sob a forma de May (surpreendente Wynona Ryder), a noiva. Que não quer ser mais do que uma gentil e frágil e ôca criatura. Mas sabe manobrar/fazer valer o seu estatuto primeiro de noiva, depois de esposa, finalmente de esposa grávida. Sem confrontar, sem expôr, apenas jogando as cadeiras de forma a que o marido sempre se sente a seu lado. E com o seu frágil ombro consegue atirar a prima para o campo das esperanças irremediáveis, dos encontros literários.
O que quer a mulher ? O que quer o homem ? Disto trata o filme. Newland deseja uma figura literária de diferença. A sua figura (robe japonês, europa, livros, detachement) é essencialmente queirosiana, e a tristeza em Olenska é talvez saber-se objecto de um desejo idealizado, próprio de quem leu Émile Zola e não sabe o que fazer com isso. Olenska aliás sente-se bem com o arrivista Archer porque este é mais natural ao diverti-la e cortejá-la. May é um bicho próprio do seu tempo. O seu primogénito vai casar porém com a filha do arrivista. Times do change.
Mas Olenska ama, talvez a única figura que realmente ama em toda esta história. “I shall come to you once and them go home”. Amar pode ser isto. Olenska conheceu a desgraça, a esperança, o riso e o choro. Consegue ter o desprendimento para amar. E tem a experiência para renunciar uma vez mais. Reconhece as manobras de May mas não cede à incorrecção. Cede sim aos encontros furtivos criados por Newland. Dos quais disfruta, pequenas luminárias numa vida que já teve tudo: amou. Para a sociedade novaiorquina foram amantes. Ela sabe que foram mais do que isso.
Por isso, a lindíssima imagem do pôr-do-sol junto ao farol, com a retórica decisão “if she turns” é outra vez um devaneio de literato que não sente que ela sabe que ele a está a olhar. O "demasiado" querer embota os sentidos.
Por isso ainda, quando Newland não visita a sua paixão ideal envelhecida, uma vez mais a desmerece. Porque o amor não tem idade. E o amor ao convite do outro só pode responder sim.
Sobre este filme eu não consigo parar de escrever. Por isso aqui ficamos e aqui, não em http://www.imsucks.com/. Porque todo e qualquer texto é incompleto e inacabado perante este superior filme de Scorcese.
Etiquetas: cinema
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