quinta-feira, dezembro 18, 2008

Morreste-me.

Morreste-me! Não consigo deixar de pensar isto, por feia que soe a coisa. A verdade é que uma coisa assim não se faz, e vou-te explicar.
Lembro-me de ti não do Porto mas curiosamente da recruta na Coina, de umas poucas de noites em Lisboa. Eras fino e dúctil e silencioso, de piada esquisita. Chamavas-me por nomes que era como se fôssemos da família, diminutivos como de irmão mais velho, embora por meses o mais velho fôsse eu. Estavas já feito e decidido, fumavas imenso, cultivavas o teu J&B com parcimónia, nada mais sabia de ti. Podias ser um oculto praticante de artes marciais, ou comer bolas de ópio nas horas vagas, ou ainda salvar vidas com uma máscara nocturna e ser herói de banda desenhada - o “Dark Blade” - como referência à tua proverbial magreza. Não sabia se namoravas, sequer o que pensavas disso, por mim era como se as esfaqueasses ao fim de quinze dias. Mas porém, na Ribeira das Naus quando nos despedimos os dois da Marinha tinhas alguém à tua espera que (não) me apresentaste, senti-me então muito honrado. Só agora soube que afinal casaste, que enfim tiveste filhos.
E nestes anos todos assim continuaste, assim continuámos, paralelamente seguindo em silent mode, assumo que gostarias de jogar alguns jogos de vídeo com os teus rapazes, algo que terminasse em “…Avenger!”, por aí, ganhando no final com uma stickada discreta, um golpe de mão que depois acabavas por ensinar, “é assim que se faz”.
Estive contigo há uma semana. Reconheceste-me logo, pareceste contente. Pedi-te desculpa por te acordar – um pouco. Estavas, não estavas. Falei-te dos tempos passados, do teu irmão dentista que contava semáforos vermelhos na noite de Lisboa com um Impreza de dois litros, então era alguma coisa, caramba! Tu contaste-me a tua história recente, a negação, o medo, o medo. E, sabes, custou-me a aceitar o medo que referiste. Não vou explicar porquê. Estavas, não estavas, subitamente começaste a falar de línguas estrangeiras e que já não terias tempo para as aprender, o grego, por exemplo, e outras, não estavas. Morreste quatro dias depois. Antes das línguas estrangeiras disseste-me alguma coisa sobre que “não querias parar de trabalhar”, pois, e agora quem opera as varizes reticulares da minha santa mulher, hã, estúpido, quem? Meu cabrão de merda!
Sabes, no dia a seguir à tua morte, pelas fodidas razões profissionais do costume falei com vários amigos comuns e a verdade é que falávamos mais baixo, mais cal-ma-men-te, como se sabendo que nada daquilo era realmente importante. Que se fodam as varizes, não devias era ter morrido!

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