domingo, setembro 24, 2006

Downtown and Back


A periferia é a periferia, e mais ainda quando o é de uma cidade pequena como a cidade do Porto. Cansado de procurar determinado livro nas livrarias dos centros comerciais que povoam os caminhos entre o meu local de trabalho e o meu domicílio, peguei no carrinho e virei 90º em direcção à Invicta urbe.
A partir do meio da tarde é relativamente simples entrar no Porto. Na Baixa não vive quase ninguém , e quem vive ou não tem carro, ou não sai da Baixa. O trânsito com o qual convivemos era de atravessamento, ou ainda laboral. Como estacionar no Porto é hoje em dia (pagando bastante) demasiado fácil, dúvidas não tive e acabei no subsolo a cem metros do meu destino primário, a Livraria Leitura.
Ao ascender do subsolo até à praça dos Leões, terreno tornado demasiado asséptico pela Porto 2001, quase desmaio ao ver a Igreja e Torre dos Clérigos completamente tomada pela Sagres Bohemia. Mais uma obra do consulado RR, os meus parabéns. 2006 é o ano em que eu aprendi: tudo é possível.
A Leitura faz parte dos meus anos de aprendizagem da coisa que se lê, anos oitenta portanto. A estante da poesia era à direita da porta quem entra, de frente para a caixa. Horas e horas ali se passaram, lendo, auscultando edições raras, separatas perdidas, etc. Das pessoas que então trabalhavam na Leitura só a menina da caixa e um outro cinzento elemento sobreviveram, se esquecermos algum do pessoal da Leitura Arte. Sim, porque então a Leitura Arte ficava na José Falcão na galeria anexa aos cinemas Lumiére. Foram estes dos melhores tempos da minha vida, tempos ordenados e juvenis, andava eu portanto a aprender a ler, e a ver. Tocar viria depois.
A Leitura de hoje vive menos da sua actividade de livraria de livros “comuns”– estava deserta – e mais das secções especializadas no sector ex-Arte, com o qual se comunica por uma passagem com escadinhas. Este semi-abandono, concluído com funcionários que variam entre o “raro” e o “antipático”, permite-lhe porém, como instituição que é, ter os livros mais estranhos, as edições mais inesperadas. Mas o livro que eu queria não estava lá.
Paguei na caixa outro livro que me pareceu interessante, humilde homenagem à melhor livraria do Porto, pese quaisquer reparos, e dirigi-me à livraria da Imprensa Nacional-Casa da Moeda.
Na triangular praçinha do meu bombeiro homónimo – Guilherme Gomes Fernandes, na esquina com José Falcão reside um prédio horrível, estilo-Trofa, de bastantes andares, com umas varandas à Ermesinde. No R/C e 1º andar desta aberração está a livraria oficial do Estado Nacional... Ou melhor´só no 1º andar, que a recepção do R/C nunca eu percebi nestes anos para que existe.
Em tempos mais alegres a INCM editou uma pequena colecção de poesia contemporânea. Comprei muitos desses pequenos livros, por tuta-e-meia, no tal 1º andar. Há coisas que nunca mudam, e o atendimento, felizmente, seguia igual – a pedido... Sendo edição da INCM muito se estranharia não encontrar o livro desejado, bem como o 1º volume das poesias de V Nemésio, que faltava há muito. Paguei, desejaram-me bom fim-de-semana.
A praça do meu homónimo bombeiro tem vários arrumadores de carros, sinal do êxito das campanhas de limpeza étnica do RR, presidente da edilidade. Um deles intervalava pedindo à porta dum dos clássicos da zona, a padaria Ribeiro. Entrei, comprei ¼ de quilo de “fidalgos”, doce da minha infância consumido aos quintais em convalescença de parotidite. Na padaria Ribeiro continua-se a pedir à direita e pagar na caixa à esquerda mediante a apresentação de um ticket hoje, antes uns papelinhos de 3x2 cm escritos a caneta. Tenho saudades das minhas visitas frequentes à padaria Ribeiro.
Recolhido o veículo, agora residia o problema em como evitar o trânsito de saída da Baixa. Por enquanto, é ainda a Baixa Portuense um grande centro empregador. Quem lá trabalha mora na Maia, em Matosinhos, em Gaia ou, se mais afortunado, em alguma urbanização das freguesias de Aldoar, Ramalde, Paranhos.
Após rodear a passo o jardim do Carregal, e evitando cuidadosamente reflectir no espanto do edifício novo do Santo António – EPE, tentei – mas não consegui – meter pela Restauração. Fui portanto obrigado a passar no passeio das Virtudes após bordejar a cooperativa Árvore (que é feito dela?), ir ter às Taipas e descer até à ordem de S.Francisco, zona que muito bem conheço de outras luas. Terminei na junta de freguesia de S.Nicolau e na marginal ribeirinha e embiquei para ocidente, entalado entre o granito da Alfândega Nova e Miragaia. Por cima de Miragaia, vários espaços de verde à espera de um destino ornamentam a encosta. Não esqueçamos porém: a base disto tudo é Miragaia, e a Miragaia a Alfândega Nova retirou quase a razão de existir: Gaia, onde está? Não se vê... ironias. Miragaia onde já se notam algumas fissuras no aprumo das casas feito para a Cimeira Ibero-Americana.
Deixando à direita em cima o palácio das Sereias, do outro lado do rio entrevê-se a zona do casco histórico de Gaia que, desde sempre mais curiosidade me suscita: a zona do Castelo. Que ali terá havido um, e que ali também, bem a jusante do morro fundador da Sé terá nascido Cale... O Castelo de Gaia, conjunto de casario que ao longe me parece sem defeito, está englobado nos projectos de reabilitação do LFM. A ver trememos...
Passando lentamente o viaduto recente que devassa o rio, o postal que nos fica à direita e que termina na igreja de Massarelos já está coberto a 50% pois ali vai-se fazer um Monchique Residence, ou coisa assim... e no meio aconteceu a reconstrução destrutiva de uma casa.
Passando os semáforos já em terra firme, à direita os Armazens Frigoríficos estão esventrados pelo aproveitamento residencial que os tomou de assalto. A beleza do edifício era a sua parede nua, com o brazão comercial a meio, era o adivinhar de uma grande nave, de um enorme vão (seria mesmo, ou invento?) por detrás daquela parede lisa e erecta, muda, cor de terra. Agora dezenas de frinchas rectangulares a um tempo atrevidas e adolescentes retalharam a tal parede de que eu gostava tanto. A ser assim melhor deitar abaixo e fazer um novo bonito... não sei.
O resto do caminho já pertence a uma das mnhas rotinas mais recentes, o voltar a casa por caminho não muito curto, vendo rio e mar. A ponte da Arrábida é sempre um prazer para os olhos. Estivesse classificada e não teria sido possível construir aquele condomínio neo-Barredo que a antecede. E logo a seguir descobri que a Secil... já não está lá. Está assim a velha pedreira mais à vista. O que vai acontecer ali? Mais à direita o Aleixo, e não há palavras para descrever o Aleixo.
Rodando para o Campo Alegre, uma mancha verde que é só mancha, lateral ao Fluvial Portuense, onde também se constrói. Atravesso o parque da Pasteleira e as suas pontes de madeira, e ganho as traseiras de Serralves, em mais um daqueles interfaces, tão típicos do Porto, entre zona pobre social e casas de gente rica. A transição praticamente não existe e, por enquanto, também não há divisória. Estou no meio de uma linha de parques que o Porto ocidental possui – Pasteleira, Serralves, Parque da Cidade. Cada um muito diferente dos outros.
Rodei para a esquerda para a praça do Império – que o houve, dizem – e usando os sentidos únicos das ruas da Foz/Nevogilde (outra péssima ideia, elas sucedem-se...) desço pela rua do Restaurante Bule (comi lá muito bem há 18 anos...), e saio ao mar, Castelo do Queijo, Edifício Transparente, Matosinhos.
E chego.

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