sexta-feira, setembro 15, 2006

Há Mulheres

Há mulheres assim, maiores do que o corpo que lhes foi dado, abrem os braços, a boca, as narinas, espreguiçam-se, são um pouco mais animais do que as restantes, admito, tocam e pedem para ser tocadas, assim a mulher que me acompanhou na Circunvalação hoje à tarde.
Seria ela mais nova do que ele, cinzento mais o cabelo do que o bigode curto. Guiava um Fiat Punto e seguia atrás de um carro de matricula espanhola.
Pelo retrovisor ela manuseava uma farta cabeleira amarela e baloiçava-se da direita para a esquerda, medindo no retrovisor os olhos rasgados, a ampla boca e os lábios reforçados, a idade indecisa. Estarei bem?
Falava sem olhar para quem a conduzia, enviando olhares para todo o lado, submetendo tudo e todos – pensava - para ele olhava só para reforçar alguma frase, ou pedido. E ao olhar enrolava-lhe o ombro em lianas de convencimento, lançava as amarras à abordagem, lembra-te, levas-me e aí reside a razão do teu existir.
Percebi então que o condutor daquele Punto seria um homem com uma profissão complicada, e que seria também um profissional aplicado. De alguma forma, aquela mulher amava-o.
Amamos sempre assim, “de alguma forma”, porque - assim - resolvemos para sempre a resoluta imperfeição dos nossos sentimentos. Mas, naquele carro que seguia atrás de mim em direcção à marginal de Matosinhos, iam duas pessoas em aparente equilíbrio. E desejei-lhes boa-sorte, sobretudo para que a mim aqueles dois desejassem o mesmo.

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