domingo, setembro 24, 2006

Em terras de Redondela de Galiza


Redondela é uma pequena cidade perto de Vigo. Conhece-a quem viaja de comboio e aprende que em Redondela os comboios ou seguem para Santiago ou descem para Vigo. Mas Redondela não é uma cidade ferroviária, não é uma espécie de Entroncamento das Galizas.
Redondela fica no fundo de um vale que desagua na ria de Vigo, na baía de San Simon, através da praia de Cesantes. Vale que é atravessado por duas pontes ferroviárias, uma delas ainda activa, e que, mais do que atravessar o vale, o atravessam sobre Redondela.
Redondela é assim a tal cidade que tem as pontes de comboio por cima.
O centro de Redondela é uma alameda que acompanha um pequeno rio. O seu espaço parece delimitado em altura pelas duas pontes. Estando a tomar um café ou uma cerveja numa qualquer esplanada da rua principal, é como se estivéssemos no fundo de uma caixa, extremos de metal e pedra (as pontes), o tampo aberto para um céu que como galego faz gala em ser incerto. Para Cesantes pode-se ir a pé, passando a estação ferroviária, serão uns dois kms. E de Cesantes vê-se as ilhas de San Simon e San Anton, a ponte de Rande, o início da volumetria viguesa.
A minha esposa nasceu em Redondela. Já tentei que o meu país soubesse do acontecido, quero eu dizer o casamento, mas a certidão saída do cartório local dizia que eu tinha casado com um homem, e enganava-se na data, na minha idade, etc. Nem me lembro se algum dado dos que apareciam na certidão era correcto. Até hoje. Este ano vamos voltar a tentar.

A minha esposa tem família em Redondela, nomeadamente uma tia murciana que é viúva de um irmão da minha falecida sogra. A tia Regina tinha quatro filhos, o segundo velho trabalha nos seguros, a mais nova em turismo. Os primeiro e terceiro, Javier e Ana, faleceram num acidente de viação, há já uns dez anos. Chocaram com um condutor português que se impacientou por ir detrás de um camião e assim provocou um choque frontal. O português não morreu. Os amigos do português resolveram dizer que ele não tinha sido culpado e o processo arrastou-se anos. Eles vinham de assistir a um evento desportivo qualquer onde tinham participado os filhos de Javier. Que não morreram pois voltaram na carrinha do clube.
A tia Regina nunca mais riu. Ainda veste de luto e usa o cenho franzido. Antes era a festa da casa, dizem.
Em Espanha está agora de moda a malta jovem alugar em conjunto rés-do-chão vagos,
bajos, para as suas festas de fim-de-semana. Assim podem gastar as suas litronas em privado. Em frente à casa da tia Regina um bajo esteve em actividade de sexta para sábado, e de sábado pra domingo. Ela diz que já se habituou. Também nós acabámos por dormir. E suponho que a malta nova também.
Na casa da tia Regina sucedem-se as recordações dos filhos desaparecidos. A minha esposa lembra-se bem deles, e parece que eram boa gente.
O irmão mais velho está casado como uma espaventosa funcionária da câmara de Redondela. A qual terá problemas na coluna cervical e lipotímias frequentes. Fez questão em ser observada pela equipa num desses episódios.
Curiosamente o bairro onde fica o apartamento da tia Regina tem já campo nas traseiras, e um apeadeiro, semi-destruido, mas onde os comboios param. O aspecto do apeadeiro, os grafitti, os silvados que o rodeiam servem para te lembrar que ali estás por cima de Redondela, mas é só isso.

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