terça-feira, agosto 01, 2006

Fátima Letícia, uma bebé portuguesa

"Dois meses de uma vida atribulada:

O relatório da Inspecção-Geral dos Serviços de Justiça e do Ministério do Trabalho desfia datas que dão conta de sinais de negligência, de risco, de internamentos no hospital, de discussões familiares, de diagnósticos que encontravam no caso do bebé de Viseu "um problema social".
21/10/2005 - Nasce no Hospital de São Teotónio (HST), em Viseu. O bebé, do sexo feminino, e os pais residem na casa dos avós maternos, em Viseu. Vivem no rés-do-chão, os avós no primeiro andar. A mãe da menina, de vinte anos, "revela algumas limitações cognitivas".
4/11 - Passam 33 minutos da meia-noite e o bebé, então com 14 dias, é levado ao Serviço de Urgência Pediátrica do HST. É a avó materna quem o leva. No registo da observação, diz-se que a criança tem um "aspecto descuidado" e "equimose na face direita de causa desconhecida". A título de diagnóstico, é registado: "crise de hipotonia" (prostração) e interroga-se: "Sinais de agressão? Convulsões? Outro?".
8/11 - O bebé tem alta. O processo clínico refere que se está perante um "problema social". Na carta de enfermagem do hospital dirigida ao centro de saúde, é dito também que há uma limitação da capacidade da mãe. Explica-se ainda que foi pedida a colaboração de uma assistente social. A avó fica incumbida de estar vigilante e colaborar.
9/11 - A menina é observada no centro de saúde. A médica conclui que a menor está asseada, a evolução do peso é positiva, não há sinais de maus tratos.
11/11 - A médica detecta uma infecção na cicatriz umbilical. A mãe explica-lhe que o marido "havia retirado de casa da avó todo o material de desinfecção do umbigo", porque discordava do apoio que a avó lhe dava no tratamento do bebé. A médica encaminha a menor para a urgência do HST. Com uma declaração: "Isto é um caso social". A menina tem alta. Menos de uma hora depois, a tia do bebé, também ela menor, telefona à GNR. Alega que o pai da menina está a agredir a mãe e a avó. Segundo relato da avó, a discussão deve-se ao facto de o pai não concordar que ela tome conta da menina. A assistente social do hospital envia, nesta mesma data, um fax à Comissão de Protecção de Crianças e Jovens de Viseu (CPCJV). Pede apoio.
12/11 - A menor volta a dar entrada na urgência do HST. Do respectivo registo de admissão, consta: "Avó refere que a criança está em perigo, devido a maus tratos pelo pai!". Os registos dos dias seguintes dão conta de que a situação clínica se encontra estabilizada e de que se trata de um problema social, cuja resolução se aguarda.
14/11 - A presidente da CPCJV toma conhecimento da situação. Convoca uma reunião com os pais e a avó da menor, que comparecem no dia 17. Primeiro são ouvidos os pais, depois os avós em conjunto com os pais - o que virá a ser alvo de críticas por parte dos inspectores. Na reunião, os avós acusam o genro de ser violento para com a mulher. Este nega. A CPCJV é também informada de que o pai, na adolescência, teve comportamentos delinquentes. A comissão delibera que nenhum dos quatro membros da família, face à "situação de desentendimento" observada, reúne condições para ficar com a menor. Pelo que a família deve chegar a um acordo "que permita criar condições para que o bebé possa regressar a casa". Até lá, a menina permanece no hospital, onde está protegida de uma situação potencial de "risco grave".
22/11 - O pai da menina volta a residir na habitação de que havia sido expulso dias antes pelo sogro. É assinado um acordo de promoção e protecção, no qual a CPCJV determina que o bebé fica ao cuidado dos pais com a supervisão da avó materna. Durante o dia, a menor e a mãe devem ir com a avó para o local de trabalho desta e, à noite, a criança deve dormir na casa da avó.
30/11 - A avó informa a CPCJV de que o acordo não está a ser cumprido. Por exemplo: o pai da criança, desempregado, nunca deixou que a mãe e a menor fossem com ela para o seu local de trabalho. Numa consulta, não são detectados sinais de agressões.
2/12 - Pais e avó comparecem na CPCJ, tal como lhe fora solicitado uma vez mais. Três dias depois, as técnicas visitam a família, vêem o bebé, não registam marcas de agressão ou de falta de cuidado.
7/12 - As técnicas da CPCJV voltam à casa da menina, perto das 11 da manhã, mas não vêem nem a mãe nem a menor. O pai informa que estão a dormir.
9/12 - Os pais do bebé levam-no ao Serviço de Observação e Atendimento Permanente do centro de saúde. É-lhes dito para irem ao hospital, porque a menina encontra-se "desnutrida, ligeiramente desidratada e pálida". A avó leva a criança ao hospital. Às 17h35, esta dá entrada no HST em estado de choque, fria, com convulsões. "Por se encontrar em risco de vida e necessitar de cuidados intensivos", é, durante a madrugada de dia 10, transferida para o Hospital Pediátrico de Coimbra. Algumas da lesões cutâneas terão ocorrido três ou quatro dias antes, segundo a médica-chefe deste hospital. "

Transcrevemos do Público o registo da vida de Fátima Letícia, a bebé agredida de Viseu. Vai agora ficar com os avós maternos.

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