terça-feira, fevereiro 12, 2013

Julião Sarmento - a propósito de uma visita.

Julião Sarmento (JS) é um dos artista portugueses hoje com maior visibilidade internacional. Donde ser muito interessante e oportuna esta retrospectiva em Serralves. Retrospectiva que abranje uns quarenta anos de trabalho mas que tem uma coerência de objectivos e de temáticas muito curiosa.

Visitei a exposição duas vezes, a segunda das quais sob a cuidada mas sofrida orientação de Ricardo Nicolau (RN) - uma ciatalgia foi mencionada. Cuidada no sentido de sabedora, e, porém, não. "Julião", assim o chamava RN, é-lhe 28 anos mais velho. Produto de um Portugal imediatamente pré-revolução, JS trabalha e "esgota" sob as mais variadas formas - escultura, video, pintura, fotografia - os seguintes temas: a animalidade, a mulher, o sexo, a violência, sempre tentando provocar uma reacção de "perda-de-pé", de confusão, de interrogação e de... piloerecção perante a obra dada. Arte conceptual é isto, obriga à adesão de quem vê, à co-autoria do espectador. Joga com um subtexto, ou um extratexto, ou um enganoso contexto... Claro que também permite a preguiça do artista, e ela está em algumas obras mais recentes de JS, sem dúvida, que roçam, na minha humilde opinião, o irrelevante.
 
A diferença de geração entre RN e JS induziu na minha opinião uma opacidade de análise perante imagens femininas ali retratadas que, para um homem nascido em 1948, provocaram, sugeriram, pediramm, obrigaram a uma reacção que alguém nascido em 1976 talvez não compreenda. A prostituição, a pornografia, o corpo, a fisiologia, a genitalidade, o domínio e a submissão, a exibição, o sexo afinal, o sermos tão animais e se calhar muito pouco mais do que isso interrogam um homem nascido em 1948 com não conseguem interrogar alguém que tinha quatro anos quando Sá Carneiro morreu e o casal Barroso-Soares maldizia sorrateiramente Snu Abecassis. Mas JS serve-se satisfeito e depois vai embora, produzindo fantásticos ricochetes contra nós dirigidos, e nem sempre ficamos bem tratados com as balas. Aqui e ali pareceu-me que RN corava...

Homem da fotografia, RN sublinhou uma série de fotografias dos anos setenta que mostravam a famosa jaula do tigre no zoo de Lisboa. Animais espreitando o animal. Noutra sala vários vídeos mostravam em simultâneo várias mulheres, uma actriz, uma prostituta, etc., a re-contar um filme pornográfico. A recriar, com sempre fazemos, pois cada história contada era outra... As salas onde as grandes - e menos grandes - pinturas brancas aparecem, pelo seu silêncio lembram-me Piero della Francesca. As estátuas à volta do little black dress, apesar de deceparem a cabeça a Sofia Aparício, dialogam com qualquer mulher, criando uma nova lógica, lembrando que um vestido é como uma cortina que rodeia uma janela que é o (sexo) feminino, ou - outra hipótese - a cauda da máquina fotográfica que cria a câmara escura que primeiro tudo esconde para depois tudo revelar. Ou não, pois o sexo, que pode ensinar? Outra série de fotografias documenta o quarto onde JS terá sido concebido. Ao lado pousadas transversalmente no chão estão o que parecem ser uma telas numa só cor  - azul cinza - e que dão um aspecto provisório - de em-vias-de-ser-desmontada - à sala. O umbigo de JS é aqui óbvio ou não: todos nós tivemos um quarto assim onde, sem o qual não estaríamos aqui, ali, repetindo gestos, jogos... mas a vida que se cria facilmente se desmonta num clic.


 
JS é um agente provocador, vende-se bem, a exposição é optima, pena uma que outra inutilidade. E o sexo, que é na realidade pouco mais que dois ou três gestos, é um tema inesgotável, sobretudo para cabeças antigas como as nossas...