quarta-feira, janeiro 23, 2013

Segunda a Sexta.

Estagiei - ou seja, trabalhei - durante seis meses num hospital de Espanha em 1996. Estava então Espanha lentamente, muito lentamente, a sair de uma fase de crise económica com muito desemprego. Os meus colegas de especialidade eram efusivos comigo logo após saberem que não era minha intenção ficar a trabalhar em Espanha. Alguns perguntaram-me como deviam fazer para emigrarem para Portugal, alguns fizeram-no. Quando voltei a Portugal conheci dezenas de jovens profissonais espanhóis que vieram fazer a sua formação cá, muitos deles excepcionais, alguns ficaram por cá, cumprimento-os efusivamente ainda hoje, os que são gente de bem, o que faço igualmente para os nossos. Não se pode saudar toda a gente...

Em Espanha, terra de segurança laboral então bem mais precária do que a nossa - então, repito - o que me impressionou mais em 1996 foi o caso daqueles trabalhadores que, semana após semana, eram despedidos à sexta e readmitidos à segunda. Durante o fim-de-semana estavam desempregados, bem podiam passar à porta do seu emprego de sexta-feira mas nada daquilo era "deles", pois só segunda-feira voltariam a contar, uma poupança inacreditável, uma crueldade nascida da necessidade e da fome, porque não assumi-lo. Colocando-me no lugar desses trabalhadores, acredito que a noite de domingo para segunda nunca seria em paz, nunca seria una e tranquila, a incerteza de um dia acontecer aquele dia em que se chega à porta do trabalho e alguém que pode mais exclama: "não entras, não te conheço!" - e pronto, prolongado o vazio do fim-de-semana até quando, passa-se naquele momento mesmo a não saber, saimos de casa a andar, voltamos de rastos.

Não consigo esquecer-me desta imagem, a porta a abrir-se segunda de manhã, a mesma porta a fechar-se a cadeado sexta ao fim da tarde, incerto o voltar, o sustento, a sobrevida na semana que impreterivelmente virá bater a outra porta, a do ansioso coração, aquela que nunca se quer fechada, na segunda-feira que se segue.