Para Não Falar
Ler. Era eu bem pequeno e lia, lia. E uma história houve que ficou bem mais do que as outras. É um conto escrito por uma escritora catalã de lingua castelhana, Ana Maria Matute. Primeira mulher a entrar para a Real Academia, figura controversa não suficientemente antifranquista para ser consensual, e nada catalanista. Escritora de muita coisa, incluindo muitos contos infantis.
E um deles chamava-se o Gafanhoto de Ouro. Era uma vez uma criança, Yungo, que vivia meio abandonado de todos numa aldeia. Porquê? Yungo era mudo. Dizia a sua tia que lhe teriam roubado a voz ao nascer. Por isso não fora à escola, e ninguém lhe ligava. Yungo era órfão de pai e mãe. Um dia, ele salva um gafanhoto de ser torturado por uns rapazes cruéis e descobre que esse gafanhoto fala, e tanto fala que se oferece para ser "a sua voz". Yungo tinha como únicas posses umas botas para andar na lama dos caminhos, e uma guitarra que ele tocava como ninguém. É aqui que, com o seu gafanhoto decide correr mundo à procura de um “País Maravilhoso”, uma ilha que ele tinha desenhado com as mais lindas cores, e onde encontraria a sua voz, bem como os seus pais. A longa viagem de procura é cheia de peripécias, e Yungo aprende a contragosto que os homens utilizam as palavras bem mais para o mal do que para o bem, e que elas as mais das vezes são ora como pedras atiradas à cara do outro, ora bolas de sabão que nada interessam. Como era de esperar, no fim de vários episódios o gafanhoto confessa ser ele a voz roubada a Yungo era ele um bebé acabado de nascer e diz que, se Yungo o matar, recuperará a sua voz. É nesse momento que o delicado mapa do “País Maravilhoso” como que ganha vida e se solta das mãos do rapaz e voa, voa, voa. Yungo, mudo ainda ao não conseguir matar o amigo, corre que nem um louco e ao apanhar o mapa desenhado com tanta devoção levanta os pés do chão para nunca mais. E voa em direcção a esse país fantástico, “onde falar não é preciso porque todas as palavras já foram ditas”.
De tudo o que já foi lido é ainda esta a minha frase preferida, como que um lema, algo ainda e sempre por atingir...
0 Comments:
Enviar um comentário
<< Home