quinta-feira, agosto 30, 2007

Da sedução alguns exemplos - 4

Vou dar um exemplo que me contaram. Era ela magríssima e tinha aquela mania de andar para a frente, como debruçada sobre a sua própria magreza, incerta sobre que passos dar. Foi dos primeiros aparelhos dentários que ele conheceu de perto, e que faziam crescer alguma água na boca, a ela digo. Dizia ele. O que era uma vantagem, as poucas frases tinham um som líquido, facilmente reconhecível. Em cabelo excedia-se, em tiras sobrantes sobre os olhos finos de cachorro. De que só tinha a cabeça, o corpo como um bengaleiro. Parecia aliás uma figura de cartoon. E aquela dita incerteza dava-lhe uma certa elegância ao andar, um silêncio como se vindo de antes de todas as histórias. Ele estava a falar-me de uma criança. Que pintava as unhas.
Cruzavam-se com frequência no trabalho, onde ela era estagiária: “E então?” Ele não se lembra da resposta verbal porque não havia, ela fazia ao que parece a mais engraçada das caretas, uma espécie de hiper-náusea, e fazia menção de meter os dedos pelas goelas abaixo. Não teria portanto desses hábitos, que quem tem não brinca com o gesto. Ele convidou-a para jantar, ela aceitou, sim, mas ao entrar no restaurante logo ele reparou no terreno minado, no arsenal defensivo, numa blindagem que resultou tão discreta como eficaz. Falaram de nada. Vários nadas. Todo um jantar para deitar ao lixo e ser recolhido pelos Serviços Municipalizados para a reciclagem de orgânicos.
Despediram-se com correcção para nunca mais.

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