quinta-feira, agosto 30, 2007

Da sedução alguns exemplos - 2

Vou dar um exemplo: um amigo meu cometeu um erro, recentemente. Tem tudo a ver com determinada substância e o seu transporte. Visito-o raramente. Penso nele de 2ª a 6º feira, sempre que faço a A4, a qual, em relevé, me dá um boa visão de Custóias. Feitas as contas, visitei-o porém só três vezes.
A primeira visita tem sempre aquele lastro da pergunta-chave, sobretudo para alguém que só conhecia o homem em questão superficialmente: “então como foi isto?”
Até à segunda decorreu bastante tempo, e a mesma foi aliás um pouco dificultosa.
A terceira visita serviu para o meu amigo, agora mais à vontade e conformado, aproveitar para desfiar algum rosário de lembranças. E foi então que me falou de uma que acariciava particularmente. Avanço agora que ele era professor. Não interessa do quê, eu sabia, mas ele disse-me como se eu não soubesse. Mas não interessa. Dizia ele que das aulas já nem se lembrava. E tinham passado apenas meses. “Nunca mais darei uma aula” – disse, e com convicção. “Aborrece-me. Já não há alunos!”
Do que ele se lembrava era dos intervalos, sobretudo daquele maior a meio da manhã, ou tarde, em que se sentava com alguma troupe de alunos mais fiéis, e conversava. E parece que sobre tudo conversavam. E se a coisa progredia chegava a hora de voltar a entrar na sala mas aí ele dizia: “Mas não repararam? A aula já começou, e há um bom bocado!”
Muitos filmes foram feitos sobre estas coisas, pois parece que uma aluna houve que captou especialmente a atenção do professor. “E ela dizia: Professor, podia-se passar dias e dias assim na conversa! – ela dizia isso, e eu aí calava-me, vê lá tu, eu que então nunca me calava!” "Ela aliás utilizou esta expressão várias vezes, quase dias seguidos, vê lá tu! Tenho a certeza!" “ Depois, ela foi-se embora, todos os alunos acabam por ir embora, é uma espécie de verão ao contrário, e que demora mais, mas a sensação é a mesma, sabes?” Não, que nunca a coisa extravazou para gestos menos nobres, que nem a questão se punha, as idades e isso, mas decidira nunca esquecer aquela espécie de abandono naqueles intervalos ao doce prazer do ócio falado, à música das palavras ao desafio. Enfim!
O meu amigo ultimamente encontrara-se cada vez com menos uso da palavra, ou com menos vontade de falar com quem quer que fosse. Dois processos e uma denúncia depois, estava em Custóias a falar-me de uma jovem alta e elegante, sua aluna, que, durante umas temporadas, o teria ouvido com aparente e particular atenção.

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