quarta-feira, abril 06, 2005

Mar Adentro - Texto

É-me difícil escrever um texto objectivo sobre um filme pelo qual me apaixonei. Que isto de ir tão pouco ao cinema tem os seus enguiços.
Mar Adentro é uma película de Alejandro Aménabar, cineasta espanhol com prestígio intra-muros, e que agora com este filme ganha outra projecção. É a história, já sabida por muitos, de um galego, Ramon Sanpedro (Javier Bardem), tetraplégico após acidente de praia. Filme onírico, filme que vagabundeia entre o dia a dia e o sonho de um mesmo homem sobre o qual o filme é feito. Sanpedro quer morrer. Ele aliás devia ter morrido naquele dia em que a cabeça bateu demasiado cedo no fundo rochoso de uma cala. Ele assim acha.
Marinheiro de volta ao mundo e mulheres cem, só com o corpo inteiro e vertical se entende. E rejeita fisioterapias ou cadeiras de rodas, rejeita os sucedâneos de vida que lhe são propostos. Ramon Sanpedro é galego, teimoso portanto. E vai pela sua. Quem ama o sol nunca se conformará com résteas de luar. Por muitas mulheres que pelo mágico tetraplégico se apaixonem. E o filme é isto, a defesa desta tese. Vem a advogada e apaixona-se, ela também tem uma doença degenerativa, no fim tem medo, termina justiceiramente demenciada. Vem Rosa (Ramona na vida real) e ali encontra refúgio, acoito, e ordem, uma linha ou fio de prumo. E como mulher vai ter a coragem necessária para colaborar.
Ramon não se mexe. Antes corria, veleja, tocava de porto em porto. Sonha que voa, pois que ele só pode subir, subir, nunca rastejar de uma cama para uma cadeira. Ramon não defende uma solução. Defende a sua solução. Como marinheiro que sonha ser patrão de barco, outra opção não pede do que a de ser patrão de si próprio. E contra por exemplo o travão mais habitual, o argumento religioso de que a vida não é nossa. É.
O resto do filme é um bom embrulho para a representação superlativa de Javier Bardem. Ninguém deslustra, embora talvez Belén Rueda trema um pouco. Pode ser que os linguismos do filme (galego, castelhano, catalão) às vezes estejam um pouco a monte, mas o filme não é feito por um galego, nem a sua missão primeira seria fazer justiça linguística. E no geral não falha. Menos falha no carácter daquelas gentes: actores galegos só dois: Rosa e o pai de Ramon, mas o ser galego, toda a tragédia espinal medular do quadrado extremo peninsular está ali. E não é de folclore que falo. E Javier Bardem, para quando galego honorário ?
Senãos ? Quase nenhuns, a música, infelizmente de Aménabar/Nuñez, custa criticar estes dois mas aqui sim o folclorismo ataca e atrapalha. Galiza não é Irlanda, e Aménabar não é um grande compositor.
Mar Adentro é ainda o lindo poema de Ramón em que ele desenha o ideal seu e que por momentos terá partilhado com a bela advogada, o de impedidos de um amor vivo, físico e químico como só assim ele o concebia, pudessem os dois festivamente morrer em amor, mar adentro.

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