quinta-feira, março 03, 2005

E então para onde vamos ?

“Amei-vos uns aos outros como eu vos Amei”. Um papel com estas palavras estava amarrotado no chão à porta do restaurante. Fazia frio e soprava um vento brusco e seco em Viana do Castelo. Era quinta-feira e o Benfica ia arrasar o Beira-Mar para a Taça. Esquecendo os problemas à volta do tempo verbal, o umbigo do mundo por ali andava: “uns aos outros”. Soava a promíscuo. A vida é como as doutrinas, cheia de contradições. Quando se entra num restaurante e se diz: “uma pessoa”, das duas uma, ou se arranja uma cara executiva, o que logo obriga a material anexo condizente, sobretudo, pasta com computador portátil, telemóvel a retinir de uma forma constante, ou então pede-se desculpa. Não se conseguiu, tentou-se uma companhia mas não apareceu, ou não há e pronto. O aparelho de ar condicionado despedia naves extraterrestres para outros mundos, e o empregado desistiu de sugerir um vinho, pois ninguém o ouvia. Fazia frio lá fora, e depois ? Era inverno, sejamos racionais. “Uns aos outros”.
Quanto amor havia neste restaurante ? Reparemos na empregada que está a servir a mesa três. Espelha a sua cara horas e horas de trabalho. Enrugadamente discrimina e rejeita as sandices que lhe são distribuidas por esta e aquela mesas. Pede os pratos como aritmética mas não falha um detalhe, um talher mal colocado, o jogo de copos inadequado. Serve e pergunta: “está a gostar ?” E o amor dela ? Aquele sorriso cansado que acabou de trocar com outro empregado será mais do que um pouco de solidariedade operária ? O Benfica não arrasava ninguém, e neste restaurante não se descortinavam soluções. A famosa dúvida sobre que sobremesa escolher podia servir como a metáfora que se segue: há na vida alguma forma de escaparmos todos ao bolo de bolacha ?
Ao sair do restaurante pegou no papel amarrotado e depositou-o numa papeleira. Daria má-sorte fazer isto ? Tinham-lhe telefonado, teria que devolver o Audi, os imprevistos, as mil desculpas. O telefonema fôra antes do desprezar da mensagem divina mal atempada verbalmente, e a má sorte já vinha de muito antes.

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