sexta-feira, fevereiro 25, 2005

E então para onde vamos ?

Era o fim da tarde, uma tarde fria e ventosa de Fevereiro.Com alguma cautela, conduzia um Audi 3 emprestado em direcção ao sol. Mas não sabia para onde ir.
A suave curva da auto-estrada cortava o verde de um prado debruado com salgueiros. Depois de umas subidas, à direita e à esquerda, umas dezenas de eucaliptos dourados pela hora tardia, e descontentes pelo frio intenso. Na portagem, ficou um pouco afastado (carro largo, este, e pesado), pagou com o braço esticado, esforçando-se para dar normalidade ao facto de estar ali com um carro que não era seu a uma hora que não era a sua. E virou para Viana, pois a casa agora não era mais do que um caixão onde, mais do que vida própria, palpitante, residiam memórias, odores perdidos, manchas e riscos pelas paredes que mesmo com analgesia ele não queria hoje encarar de frente. E porém ,entendia tudo. Muito dotado para línguas, tinham-lhe dito mais que uma vez, até estivera tentado a colocar esta frase num qualquer dos vários currículos que já tivera que redigir. “Muito dotado para línguas”. Como se camisas fosse, golpes de teatro, gestos de malabarista que de real nem o esforço têm, só o espanto de quem vê e não acredita. Planos para um disfarce. Aliás considerava-se um bom usuário da língua portuguesa. Tinha, porque não dizê-lo, um certo orgulho em determinadas palavras pouco frequentadas pelo povo e que, no seu dia-a-dia, buscava como território seu, cabos de boa dobra, em busca de uma acalmia de expressão só sua. Seria porém e só o seu melhor disfarce, o mais trabalhado, o mais completo. A sua língua materna era o silêncio.

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