segunda-feira, fevereiro 06, 2006

Matchpoint - dois


Ao contrário do que se passará na Europa, nos Estados Unidos, a crítica não é unânime sobre o filme Matchpoint. É sim unânime sobre o facto de que este filme é algo de novo, pelo menos em relação aos últimos dez anos de filmes W Allen. São também unânimes em como W Allen não participa no filme. Nós também estamos de acordo....
Polémicas? Por exemplo: está ou não está W Allen (“em espírito”) “dentro” do filme? Jonathan Rhys-Meyers é um prodígio de subtileza e complexidade ou pelo contrário um completo misscast? Scarlett Johansson “está bem” ou mal? E os restantes actores? Apáticos, ou “envolventes”? Londres e Belgravia estão aqui bem tratadas ou apenas em grosseiro esboço? O prólogo do filme, os primeiros 20’ de “introdução” do protagonista na alta-roda londrina são um conjunto de clichés “mal passados”, ou um demonstrar de boa concisão narrativa? E importa ou não portanto pensar que este W Allen amoralista é o acusado de assédio sexual de menor e que está casado com a filha (adoptada) da ex-mulher Mia Farrow? Who’s the tennis player after all? Does W Allen play tennis?
A verdade estará algures no meio disto tudo ou, sendo um filme e portanto um objecto sujeitável a interpretações plurais, a verdade estará em tudo isto. Por ex.: estes personagens parecem efectivamente pouco desenhados e algo programáticos, motivos para o desenvolvimento da tese que o filme é. Mas já não era assim em outros filmes de W Allen? Só que nesses filmes, novaiorquinos até à medula, bastava às pessoas sorrir e dizer “olá” para se tornarem nossas velhas conhecidas, mais um peão num velho universo muito nosso. Aqui isto é Londres, e há efectivamente alguma sensação de postal... Porém, os dois personagens principais têm lá tudo, e eles são o filme. Nunca saberemos se W Allen joga ténis, supomos que não, tenho ideia que a sua é o clarinete. Porém um filme como este, sem moral e sem uma lógica externa para nos oferecer, cria um óbvio mal-estar no espectador que, como pequena vingança se poderá lembrar da estória recente mediática de W Allen e M Farrow e questionar a inocência do nosso herói.
Claro que podemos fazer a leitura em negativo, e colocar neste filme um libelo cortante contra a masculina incontrolável sede de poder/prazer/whatever do detestável personagem que Jonathan Rhys- Meiers tão bem encarna. Ao contrário de em “Crimes & Misdemeanors”, não temos tanta certeza de que tudo acaba ironicamente em bem (exceptuando uma morte, claro...). Aqui no fim não se dança cegamente.
Será óbvio defeito meu (e de muitos...) simpatizar com o único pobre-diabo mais ou menos ok do filme, a nossa Scarlett. Mas julgo que este defeito é também partilhado por W Allen. Desejada não amada, objecto luxuoso que desencadeou paixões que lhe foram letais, sem se aperceber nem ter qualquer controle sobre o acontecido. Em nenhum momento o filme lhe atribui qualquer culpa. Nem nos vários momentos de namoro nem nos diálogos telefónicos nem na gravidez. A sua criação não é a de um realizador misógino. Antes pelo contrário. Scarlett .
E é esta a defesa que apresento em favor de W Allen, e abandono aqui a minha também pequena sede de vingança: saí desconfortável do filme apenas porque sou homem.

Etiquetas: