domingo, fevereiro 05, 2006

Helena Matos e Evo Morales


A Bolívia é um país muito pobre. A maioria da população é indígena, que é como quem diz índia. Ontem Helena Matos no jornal "O Público" teceu determinadas considerações sobre o recém empossado presidente boliviano Evo Morales, que não posso deixar passar em claro. Quem conhece a América Latina entende o que se está a passar na Bolívia. Pode não concordar, e até, por questões ideológicas e de classe (eg. Mario Vargas Llosa), discordar muito. Este não é o caso da jornalista em questão. A Bolívia é quase um "país zero": que está por fazer. Governado sucessivamente por governos corruptos civis ou militares da minoria branca, a sua pouca riqueza está nas mãos de pouquíssimos. Os mesmos que, quando descobriram que tinham petróleo e gás no quintal (os seus latifúndios), logo pediram uma reforma federal, para que La Paz não ganhasse ni un duro com a riqueza encontrada, e ameaçaram com a secessão das agora ricas províncias orientais.
Nós os europeus, eufóricos por termos criado a maior potência mundial na nossa fúria migratória - os Estados Unidos - já mal nos lembramos que a América Latina é também produto nosso. Uma sucessão de países de língua castelhana, à excepção do Haiti, das Guianas e do Brasil, com fronteiras artificiais criadas no tempo colonial, o que não impede que patriotismos estranhos já tenham originado mais do que uma guerra fronteiriça, sendo a mais célebre aquela em que o Chile roubou a saída para o mar a esta Bolívia de que estamos a falar. Em todas estas terras havia índios, povos autóctones que, pela doença, pela escravatura ou pela guerra, foram progressivamente desaparecendo e passaram de maioria a reprimir a minoria reprimida ou até esquecida. Para confundir ainda mais, em alguns países a importação abundante de africanos veio criar uma outra classe de oprimidos.
Nas zonas mais pobres do continente, Paraguai, Peru, Bolívia, Equador, os índios são ainda a maioria da população. E lentamente ganham consciência da sua força, inspirados não tanto em Fidel Castro mas por ex. no zapatista subcomandante Marcos, esse estranho personagem de novela que tanto enerva os brancos mexicanos. Hugo Chavez, Alejandro Toledo e agora Evo Morales, serão nem melhores nem piores do que os anteriores governantes destes desgraçados países. Parecem-se sim mais com o seu povo, quanto mais não seja na cara.
Falemos um pouco de Evo Morales. A folha da coca é uma cultura tradicional dos Andes central e setentrional. Com a campanha herbicida colombiana, o seu cultivo para produzir cocaína desceu para o Peru e a Bolívia, transformando o que era pouco mais que uma cultura de subsistência. A economia boliviana viveu recentemente anos duros, derivados das crises vizinhas argentina e brasileira. Entregue ao FMI e ao "Plano Dignidad" de inspiração USA para obter um nível de cultivo de coca zero, a sementeira para a rebeldia estava feita. Conta a internet, não sei se será verdade se será mentira, que o líder sindical Evo Morales nasceu quando quiseram privatizar as águas lá na sua terra. Ao mesmo tempo, uma estranha lei proibia que se colhesse a água da chuva, a forma mais habitual dos pobres obterem água, suponho... Foi aqui a primeira greve, o 1º movimento de massas, e foi há 6 anos. Dois anos depois já era ele deputado e candidato à Presidência, obtendo 20% dos votos. Agora foram 53%... Vargas Llosa diz que Evo Morales é uma fabricação, um títere. Só se fôr da incapacidade da minoria branca de fazer o que quer que seja que não para o seu próprio bem. Antes os votos dos índios na Bolívia seriam comprados, como o eram os dos pescadores em Ovar há cem anos, ou os dos jornaleiros, agora parece que já não. Não sei se este homem que gosta de camisolas garridas tecidas em lã de lama será um bom presidente. Espero, para o bem dos bolivianos, herdeiros das velhas civilizações andinas, que sim.
Já me esquecia da Helena de Matos. O Japão vive tempos esquisitos. Têm agora uma manga best-seller onde se caricaturam os coreanos (mais precisamente as coreanas) como serial-killers, e um outro livro também best-seller defende que a colonização pelo Japão dos seus vizinhos, a China, e sobretudo a Coreia, só lhes fez bem, desenvolveu-os, etc. A culpa nacional é dos sentimentos mais difíceis de digerir. Os complexos de superioridade civilizacionais também. Ó Helena, vai pró Japão, tá bem?

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