Dos Pobres
"Neste Domingo passado publicou o jonal Público umas páginas dedicadas ao fenómeno da pobreza em Portugal. Umas páginas. Porque ali nada se aprende que não soubéssemos já. A própria palavra fenómeno é estranha: não éramos todos pobres há 20-30 anos?
Que aprendemos então com o dossiê? Que a desigualdade está a crescer, que 20% dos portugueses vivem com 350 euros/mês ou menos. E que o desemprego parece estrutural, fixo, estagnado. Quem é desempregado, assim fica.
Que novidades!
Antes de 74 havia em Portugal desigualdades extremas, muito marcadas. Que o 25 de Abril 1º e depois o dinheiro europeu vieram apenas parcialmente corrigir. Se nos últimos anos Portugal entrou em crise, claro que os mais pobres pagaram a mesma primeiro, e o gap financeiro agravou. Não esquecer que alguma economia submergiu (o truque do desemprego espanhol tão "admirado" em Portugal).
A solidariedade portuguesa é um mito. À pobreza associamos um misto de fatalismo e de carga genética. E depois achamos que é o Estado que deve resolver tudo. Desde que não mexa na nossa fuga aos impostos.
Portugal é um país com muita gente desempregada. Porque velha, ignorante, dispensável. E aqui não há nada a fazer. Mas também jovem, ignorante, precocemente dispensável. Uma doente minha é de S.Torcato-Guimarães. Trabalha numa confecção. Vem à minha consulta duas vezes por ano, uma delas nas férias que é quando ao patrão dá mais jeito, e a ela: não perde o prémio de produtividade. Tem uma filha de 15, que está no 9º ano, e a tomar medicamentos para conseguir passar: baralha-se tudo na cabeça. O mais novo, de 9, está na 4ª classe, e por enquanto não foge da escola, pois é nesta que brinca mais. A filha da minha doente não vai passar do 9º: qual vai ser o seu futuro profissional? Suiça? Ocupar o lugar da mãe? Alterne? Em qual destas possibilidades vai esta miúda ultrapassar o tal limiar da pobreza, ou até aquele que é o do “remédio”? Guimarães... Guimarães... teleférico, shopping, pista de gelo, património da humanidade! Bom...
Eu pessoalmente acho que se só temos 20% de pobres, estamos muito melhor do que há 30 anos. Eu há 30 anos já cá estava. Lembro-me. Admiro-me até, confesso, com o progresso obtido. Ponho sim a hipótese de o nº de pobres de espírito estar a crescer aceleradamente. É que não é preciso estudar para dar umas voltas no shopping. Uns dias para a direita, noutros para a esquerda...
Portugal carece de um projecto. Portugal carece de uma moral. E de um ideal. E precisa dos jovens de hoje, não dos de amanhã. Incentivá-los hoje, já, a estudar, a diferenciar-se, a crescer, pessoal, emocional e culturalmente. A não ir em concursos, lotarias, saldos ou promoções. Sim a promoverem-se. E – por amor de deus – a vestirem-se MELHOR! Eis um – DOIS! - desígnios nacionais!
Piadas àparte, Portugal não precisa de projecto económico específico – nem a Áustria nem a Eslováquia, nem a Irlanda têm nenhum (uma marca Irlandesa que não seja U2 nem whisky, please?). O truque é formação, optimização, não estragar, poupar um bocadinho mais, e cara alegre. Com tempo aparecerão os bons gestores (são tão poucos), os bons ministros (está descrito), und so weiter. Portugal não pode estar tão mal senão ninguém imigrava para aqui! Não está muito bem é certo, porque imigram muito mais para outros lados... A crise portuguesa não é económica - o Continente nunca esteve tão bem! A Sonae comprou a marca à Carrefour! - a crise é outra, e tem a ver com os tais movimentos circulares, ora para a direita, ora para a esquerda, é o pensarmos que chegámos a algum lado, quando ainda nem pensámos em partir... e isto todo um país!"
Etiquetas: o amigo médico, portugal
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