domingo, setembro 04, 2005

António Franco Alexandre

Abro a porta do armário; na janela
há um reflexo bom de lua esguia;
com patas firmes vou à sala, espreito
o teu corpo dourado que dormita
diante da tv; ainda não sabes
que vim de viagem, dentro de uma mala.
Ver-te dá-me prazer; és todo feito
de fibra hipersensível, e elegante;
assim distante é que melhor contemplo
a dura forma que desenham ossos,
a mansa luz que brilha nos sentidos.
Mas, de repente, dás uma palmada
num secreto mosquito impertinente,
que descreve no ar uma parábola, e cai
diante de mim. Está cheio do teu sangue,
açucarado e quente, ainda vibrante, denso
e espesso como os sonhos mais profundos.
É triste ser vampiro, mas
está-me na natureza o apetite;
vou-me esquecer agora do limite
que me impus noutra hora mais discreta,
dar-me todo à fome, e devorar-te
sem teia, nem fio, nem arte.


in Aracne, Ass&Alvim, 2004

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