sábado, novembro 10, 2012

Chegar tarde.

"Para tudo é preciso sorte", disseram-me hoje de manhã.
Levo toda uma vida a chegar tarde às coisas, Bárbara. Nem é preciso enunciar exaustivamente porque tudo o que tu pensares que se possa considerar importante numa vida foi acontecer-me mas tarde, depois do momento certo ou quando na realidade já a diferença não era a devida, a tida como necessária e fundamental. E o que é fundamental numa vida? Aqui teria lógica perguntar a tua opinião, Bárbara, mas sei que não me vais responder. Cruel é o exame neurológico, disse-me um amigo meu que é médico, o fundamental é que obedeças a ordens, duas pelo menos, as de sempre e simples, porquê fazer desta vida uma coisa complexa quando se está deitada numa maca e não percebemos mesmo nada do que está a acontecer nem sequer a gravidade do que (te) está acontecer sendo tu uma espécie de câmara de pressão positiva - "tão cheia de vida!" - e a vida a esvair-se, um ventinho contra o qual temos de lutar mais ainda se chegamos oh, tão tarde, meu Deus! Eu sei, eu sei, foste tu a chegar tarde ao entendimento das pessoas que te rodearam naquele necrotério, chegaste tarde e se calhar foi a primeira vez na tua já tão longa vida, vinte um vezes trezentos e sessenta e cinco mais cinco (vinte a dividir por quatro, tão simples) vinte e noves de fevereiro, pode ser que tenha sido a primeira vez mas também cumpriste, foi a última.