sexta-feira, junho 05, 2009

Seis Meses

Seis meses passaram sobre a morte de um Amigo. Viajando no computador encontrei um primeiro texto escrito uns quinze dias antes daquele que depois aqui coloquei em homenagem a. Ainda eras vivo, ainda não tinha estado contigo - pela última vez. Eu sabia que coisas tinham ficado por dizer. Claro que seis meses depois só podiam ter acontecido duas coisas - a) esquecermo-nos b)ruído de fundo.

Portanto aqui vai a versão "beta" da coisa, com motes repetidos, e voltas, e mais nada. Não interessa. Interessa que morreste e eu lembro-me.

"E agora, quem vai operar a minha mulher, quem vai resolver aqueles pequenos raios cuja interpretação científica não tem nada a ver com a realidade nem vou neste momento dedicar-me a explicar linha por linha e nem são muitas mas, repito, quem vai operar? Hem? Mesa de trabalho exposta que por orgulho natural feminino se quer sempre arrumada assim se vê quem não presta a devida atenção, eu, nunca prestei, nem muito préstimo para tal terei por isso me considero exageradamente com sorte e também de estar vivo e com alargadas perspectivas do mesmo, tu não já que não poderás operar quem nunca te foi sequer apresentada.
Foi há quase vinte anos apanhaste a varicela no tirocínio para marinheiro, tinhas um Clio GT batias o tempo mais rápido para chegar a Condeixa que era onde terminava o futuro, passávamos depois pelos Candeeiros ainda ontem os vi no Google Earth – nunca mais os vi – estão iguais. Tudo isto terminou ali na esquina da Ribeira das Naus quando fomos jurados, tiveste uma discreta companhia à espera, família, namorada, não sei um pequeno postigo sobre o resto teu de que eu nunca soube, perguntavam-me por ti eu dizia “discreto, calado” e depois outras coisas a minha companhia de então sendo C., se fosse preciso também a operarias a ela, porque não, este texto porém não vai por aí. Tinhas um irmão que manobrava um Impreza e coleccionava semáforos fechados nas noites de Lisboa, lembras-te? E tu dizias “o meu irmão é louco.” E olha, fumavas por teimosia, não, ou hábito ou construção muito construída, e bebias moderado-institucionalmente, sabes que ainda hoje tu és o Mr. J&B para mim, justo ou injusto mas com aquele estilo, as nossas partes comuns paradas há 15 anos e no entanto eras família, eras mais do que família, eras um Amigo. E o teu olhar acendia-se com um cigarro, com um J&B, com a piada fina, um torcer de ombros à puta vida, e tinhas um riso pequeno, de puto, e dizias ou “é assim” ou “que se fôda” ou “estive ontem com o...”, a lembrar territórios antigos.
Portanto a doença percebeu que no teu caso tinha que ser manhosa, que no teu caso tinha que ser decidida e ir logo pela jugular ou como quem diz pulmão - trás- cabeça, que é na cabeça onde estamos aí está a tua doença também, rápida a partir do local de origem para subir tão alto pois mais alto não podemos chegar, assim está construido um Homem.
O meu Pai, a minha Mãe e tu, acho, as únicas pessoas a chamarem-me pelo duplo nome que me define, nem eles sabem que irão ficar mais sózinhos já o são aliás bastante, nem vão notar a diferença. Nunca te julguei “louco” como do teu irmão dizias, aliás a tua magreza sempre me pareceu uma busca de um equilíbrio, uma possível solução não um delírio qualquer mas olha, lembro apenas das palavras de um nosso Rei que visto em grandes apertos finalmente se fez grande - não vou enunciar as palavras, tinha algo a ver com a velocidade de um caminho para a morte – não sei se será esta a tua opção, qualquer que seja será obviamente a correcta.

P.S.: aliás, por ex. nunca me chamaste Miguel, ou Alexandre, como muitos, sei lá porquê. Nem imaginas a falta que me vais fazer, quando se tornar definitiva a tua já habitual ausência."

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