segunda-feira, julho 09, 2007

Na cripta



Um amigo meu, médico, tem a filha, de 8 anos, a aprender violoncelo.


Tem a miúda como professora uma jovem caucasiana, alta e esguia, ex-aluna da ESMAE e instrumentista da orquestra da mesma e da Orquestra Clássica de Espinho, senhora de um virtuosismo assinalável.


Ao ser professora pelo 1º ano na escola onde a filha do meu amigo anda, a Escola de Artes das 7 Bicas, agregada à paróquia da Sra da Hora, por tradição teve a moça de apresentar um número musical no espectáculo de fim-de-ano, aconteceu este evento a 7/7.


Por engano estava no programa como o Prelúdio em Ré mas não, era o Prelúdio em Sol M. Subiu ao palco, buscou a cadeira, fixou o espigão, colocou-se mais o violoncelo, e despachou a coisa, como já vimos, em pouco mais de dois minutos. Mais Rostropovitch que Casals, não deixou de ser um momento de cortar o tempo, pese as más condições acústicas da sala - a cripta da Paroquial.


É o violoncelo um instrumento de difícil domínio, e físico. E a relação é portanto física, como entre um animal e o seu dono. Lembra aqueles pares famosos de cavalo e cavaleiro, sendo que aqui nem existe a possibilidade de falar ao ouvido. Parte-se então directamente para a corrida. Por isso espantou esta animalidade comandada por uma jovem. Surpreendeu. Por isso no século XIX era o violoncelo um instrumento masculino. A professora da filha do meu amigo foi o momento do espectáculo. Porque subitamente um animal no palco da cripta de uma Paroquial não se espera. Ou dois.


No fim voltou o instrumento para uma caixa prateada como de metal, um cofre, como uma prisão para tão precioso e difícil animal doméstico.

E foi-se ela embora com o seu animal às costas, apanhar o metro para casa, não foi nada, não disse mas assim fez. Conversará com ele depois em casa sobre um pequeno momento de rebelião naquela passagem onde quase se falhou, o cenho franzido num instante. E castigá-lo-á com novo treino, nova corrida, e no fim dar-lhe-á um beijo, ou talvez não.

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