terça-feira, dezembro 26, 2006

A sete

Minha cara amiga:

Não sei para que servirá esta carta.
Perdemo-nos o rasto há alguns anos, um rio separa-nos, por ex., e outras coisas. Foste minha testemunha de defesa em mais do que uma vez. Meu salvo-conduto. Sonhei ou já dormi em tua casa? A tua casa símile à de teus pais, arrumada entre uma avenida hoje com metro e uma bouça, recoberta daquelas pequenas coisas que não te descrevem mas te ajudam, fotos, bibelôs, lagartos pintados. Lembras-te de um certo dragão? Ou era um pássaro articulado? Fomos o centro e o sismógrafo de vários encontros, colectivos e pessoais. E de tudo fazíamos diário pessoal. Até que tudo se esvaiu em nada, como se de “fumos da Índia” se tratasse a coisa, uma geração que se partiu pelo meio e da qual ficou um filme por fazer.
Devia ter percebido que quando me remetias à minha confirmada sorte ao mesmo tempo estavas a reiterar um diagnóstico e a dar-me a alta. Foste-te embora.
Lembro-me de quando telefonar-mo-nos era um registo do nosso quotidiano. Tinhas dois números, dois pisos, num deles estará quem me quer. Lembro-me também do espinhoso assunto da tua imagem, do teu corpo. Lembro-me de uma porta fechada.

Não pertence aqui referir o carinho em falta. Devemos neste momento anos um ao outro. Somos obrigados a odiar tudo o que nos separou. E peço-te desculpa. Tu sabes porquê. Pele era uma rainha vingativa, senhora dos vulcões e das forças subterrâneas…

Sempre


W.

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