quarta-feira, novembro 29, 2006

Carta número cinco

Meu caro amigo:

Serve esta carta não mas também para lembrar a última vez que nos vimos, em serviço urgente de amigo seu com pequena complicação física. O meu amigo trajava de uma forma tribal definida, e eu fingi não reparar que o seu amigo era mesmo muito seu amigo. Falámos dos bons velhos tempos, refizémos diagnósticos certeiros, prometemos almoços próximos, lautos como manda. Que sabíamos nunca iriam acontecer.
Lembro-me das poucas vezes que realmente lhe terei dado a palavra. Jogávamos na mesma divisão, a do riso e do olvido, embora o armamento fosse confusamente díspar. Ou seja, poucas vezes realmente o ouvi. Reparo agora que era homem de acertar nas suas medições e juizos. Ou de se calar quando não sabia.
Meu caro, como sabe temos amigos comuns. Acredito que me imagine não como pessoa onde a maldade germine de uma forma violenta e porém… Assim, periodicamente com amigos comuns lembrava e analizava a sua particular pessoa. Na realidade o que eu queria era saber de si. Sempre estalavam rápidas e compungidas declarações de tristeza pelo fado e destino do meu caro. Porque a sexualidade é um rio onde sempre nos habituámos a frequentar uma margem só. E confesso: quase por medo dos comentários automatizados agora já não pergunto pela sua pessoa. Imagino porém que a vida lhe corra como sempre, obrigado a cuidados de assepsia matinal porque lá fora eles vigiam, e lá fora nunca será como queria o meu amigo que fosse. Estará agora um pouco mais calvo, e digo-lhe já que a calvície não deixa de ser cómoda – é a minha opinião. E de certeza já esgotou aquela arca cheia que tinha com anedotas sobre paneleiros. Tenha pena de não saber de si. Telefone.

Um abraço.
W.

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