segunda-feira, janeiro 10, 2005

o Plano Ibarretxe

E Espanha tem outro problema: chama-se Plano Ibarretxe. O que pretende este ? O reconhecimento livre da nação vasca, localizada em Euskadi, e a sua livre associação e integração no estado espanhol, mas com capacidades de auto-governo quase ilimitadas. Na prática, euskadi quer um pouquinho de espanha, mas nada de Madrid. Ibarretxe é o presidente do governo regional vasco. Ao aprovar este plano em parlamento regional, rompe com a constituição espanhola saída da transição, e consegue-o com o sabor amargo dos votos decisivos terem sido do braço político da ETA. Surpresa ? Nem por isso...
Analizemos:

1. Espanha ou a França falhada. Considerando a França o grande país da europa ocidental a melhor se homogeneizar e “abafar” as suas periferias, embora de uma forma mesmo assim não ideal – Córsega, Bretanha... – a Espanha desde os reis católicos que inconscientemente ou não segue uma política centralizadora, evolução que até à pouco era tida como natural para fortalecimento do Estado e do país. Esquecendo o exemplo galego, que mereceria escrito à parte, as forças vivas catalãs, e vascas – a burguesia comercial e industrial – sempre obtiveram boas benesses de Madrid de forma a que o equilíbrio fosse sempre apenas discretamente favoravel a Madrid. De vez em quando porém, o desequilíbrio acontecia, e a repressão avançava. Só quem é curto de memória não sabe que a independência portuguesa na séc XVII se deve à coincidência no império espanhol de várias guerras e insurreições, incluindo a catalã. Terá Madrid preferido manter Barcelona a Lisboa, e eu pessoalmente não a censuro... e a repressão dos catalães evitou que hoje a península ibérica fosse um território tripartido. Portugal, se forçarmos o raciocínio, a sua existência, é em si a negação de Espanha, da homogeneização de um península que produziu tantas culturas vizinhas, beligerantes, diferentes. Não há em França, julgo, núcleos de diferença cultural (com uma base linguística tão arreigada) como os catalão e euskera, com primazia para o primeiro. A cultura catalã é fundamental para o entendimento do crescer da idade média europeia, por ex. E sempre foi a zona ibérica mais europeizada, com uma dupla porta aberta para o mediterrâneo (e a itália em frente) e o “transpirinéus”. As coisas pioraram um pouco com a guerra civil e a ditadura de Franco: aos gritos de “España Una” as línguas regionais foram proibidas e as instituições autónomas que a república espanhola tinha permitido, trucidadas. Ajuda lembrar que Espanha já foi uma república, que a monarquia foi imposta por Franco, e que Hitler bombardeou Guernika em Euskadi não por acaso. A constituição espanhola que nasceu da transição para a democracia não tem sofrido mexidas por medo da caixa de pandora que são os desejos autonomistas de alguns. Constituição essa que, embora reconheça a existência de quatro entidades com direitos autonómicos históricos – Catalunha, Euskadi, Galiza e Andaluzia (esta não sei muito bem porquê...) - ao federalizar todo o país dilui a imagem de perda de soberania, de forma a que a pílula seja fácil de engolir. Hoje, qualquer espanhol vive numa região autonómica. O que leva aos barões políticos por ex de Castilla-La Mancha (a terra do Quixote) a perguntarem. Em quê são os catalães mais do que nós ? O serem catalães, talvez...

2. O nacionalismo político visto deste lado da península. Cá em Portugal temos um político que me lembra alguns políticos espanhóis: chama-se Alberto João Jardim. Alimenta a Madeira, e a Madeira alimenta-o a ele. Infelizmente muito do nacionalismo espanhol passa também por aqui. Os dois partidos de referência, Convergencia i Unió (na Catalunha) e o PNV (vasco) são clubes de interesses de centro-direita, uma espécie de PSD’s lá da zona. Vivem de e para o poder. O nacionalismo é o fértil terreno de que se alimentam. As razões de queixa são muitas: efectivamente o poder Madrileño, sobretudo nos anos PP, esse franquismo muito suavizado e sem paseos nem câmaras de tortura, sempre puxou a brasa para a sua capital. Negociando aqui e ali, mesmo com os autonomistas, mesmo com os autonomistas... ora dava aqui, ora tirava ali, tentando sempre manter os centros de decisão em Madrid. Há dois anos, por ex., no sector energético, a compra por uma empresa catalã de outra vasca foi vetada por Madrid, com o argumento sob a mesa de “concentração de poder na periferia”... O PP sempre foi o maior aliado de Ibarretxe, talvez mais que a ETA.
Porque o nacionalismo não é uma ideologia política, ou é ? Ser catalanista implica uma opinião específica sobre o relacionamento público-privado ? A solidariedade social ? Os direitos do trabalho ? O tipo de educação que queremos ? Não, o nacionalismo é de alguma forma a criação de um referente tribal. Que em Espanha nasce como resposta à crença bebida nas escolas na existência de uma tribo vencedora, gene aglutinador da península, a tribo castelhana. Não são os nacionalistas portanto políticos com um ideal político seu, ou se têm um ideal ele não o será político. Prestam serviço a uma comunidade, ou a parte apreciável dela, catalizando descontentamentos, ressentimentos mais ou menos difusos, ou necessidades mais ou menos específicas.

3. E Euskadi ? Existe um site http://www.nuevoestatutodeeuskadi.net/ onde Ibarretxe “em pessoa” responde aos receios de todos. Até eu fiquei com vontade de ser vasco. Podemos crer nele ? Não há nesta península ibérica identificação tibral maior do que a vasca. Por isso os etarras jamais serão demonizados: são vascos. Por isso jamais os governantes de Madrid serão bons: não são vascos. Orson Wells fez um documentário engraçado sobre os vascos há muitos anos, mas agora a piada é outra. O plano parece porém ter sido decantado de um pote de ideias confusas da parte dos nacionalistas onde imagens de um quase-racismo navegavam a par com conversas de uma mítica terra perdida, toda criada à volta da árvore de Guernika... embora sem Wagner. A sociedade vasca (ou parte importante dela) vive rodeada por dois mitos, o primeiro o da sua autosuficiência e qualidade intrínseca: as 3 províncias de Euskadi têm um PNB per capita superior à média da UE e forças económicas de primeiro plano, bastante sustentadas porém em trabalho não-vasco. O segundo mito é o da sua idiosincrasia e ser único – cuja matriz é a língua – portanto nunca compatíveis com o resto, digamos, dos mortais. Esta imagem de um povo Greta Garbo a pedir que para o bem ou para o mal o deixem em paz, será medida em eleições autonómicas este ano. O plano Ibarretxe que sobrou está mais civilizado, parece inclusivé ter pernas para andar, para mal de Zapatero, e possivelmente terminará num referendo, ao qual o mesmo Zapatero não se poderá opor sem caminhar para uma ruptura que o mesmo quer evitar. As rupturas alimentam os nacionalistas, a ausência da ruptura é igual a vitória de Ibarretxe, e quem vence ganha votos.
Falta saber quantos vascos serão Garbos por opção ou cansaço, se são mesmo vascos, a pressão que o terrorismo fará sobre as eleições e o referendo. A pressão já está em curso: quando Arnaldo Otegui votou a favor do plano Ibarretxe, estava efectivamente não a ser comprado, mas a comprar. E a melhor resposta não será a de Josep Borrell, espanhol (ex catalão ?) e presidente do parlamento europeu que se perguntava se Euskadi queria ser a Albânia do Atlântico...

4. E a esquerda nacionalista ? Da galega não falo, conheço lá gente que me merece o silêncio. Vou falar dos outros. Ser esquerda hoje ? Antigamente ser de esquerda significava ser internacionalista... daí que as autonomias da república espanhola nunca significaram perigo para o todo espanhol, julgo, pois os amanhãs que cantavam então não teriam fronteiras...
Os dias de hoje assistem ao cair das fronteiras por razões apenas económicas – o coração está afinal perto ou longe da bolsa ? Ser de esquerda e nacionalista, em Euskadi ou na Catalunha, é difícil porque hoje em dia o caminho da esquerda tem que se inventar dia-a-dia. O governo catalão actual é de esquerda ? O que se filtra para o exterior é a sua necessidade obsessiva em ser mais nacionalista que o anterior governo de direita, em ter por ex. uma selecção de futebol catalã, o resto... Como se governa hoje à esquerda ? Felizmente teremos a resposta em Portugal dentro de meses... A esquerda vasca é exemplificada na sua Izquierda Unida que é co-autora do plano Ibarretxe, que a Izquierda Unida-mãe espanhola vai rejeitar em cortes. A esquerda catalã é a da Esquerra Republicana, a dos encontros secretos com a ETA, a de “também queremos um plano nosso, como não nos lembramos antes...”. Tenho pena deles. Ibarretxe sei o que quer. Eles não sei, nem eles sabem.

5. Porém, porém, porém, não podem os vascos, ou os catalães, ou os galegos, decidir o seu futuro, sair de Espanha se quiserem, não lhes deve ser dado esse direito ? Porque não ? Serão estes povos tão levianos, ou esquizofrénicos, ou racistas, ou apenas esquisitos o bastante para não os deixarmos decidir do seu destino ? E se são assim tão maus, para que os queremos connosco ? Memória colectiva de uma vitória que agora visionamos a diluir-se ? Uma coisa que os portugueses não conseguerm medir em Espanha, e que os madrileños também não entendem, é que se é extremeño (Badajoz, por ex.) em España como se é beirão em Portugal. Mas não se é catalão (ou vasco) em España como se é Minhoto aqui. É outra coisa. Madrid em 2005 vai ter que fazer um curso intensivo sobre a heterogeneidade peninsular.

6. E nós ? E eu que opino ? É bom pensar que, se hoje houvesse Catalunha livre, ou Euskadi, e não Portugal, seria bom nós podermos decidir o quando e como fazer do nosso destino comum – o Português, pois então – partindo do princípio que a Espanha dentro da qual estávamos deixava, claro...

7. E se ela não deixasse ?

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1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

A Portugal le interesa una España fuerte y no una Segunda Marca de Francia o Marruecos.......

8:07 da manhã  

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