sábado, março 09, 2013

O Porto é um rio.


O Porto é um rio que fica para lá de Castro Laboreiro. À saída desta desfigurada vila guiou-me a curiosidade em direcção ao planalto, tenho uma mania com os planaltos, parecem-me a simulação terrena de um estado de paz ou de felicidade, não sei, tão acima e tão direitos, calmos, o não conterem habitualmente muita gente também pode ajudar… A estrada encontrou o planalto era o fim da tarde, era a hora da recolha dos animais, atravessei uma aldeia, nem bonita nem feia, em que as ruas eram estrume, as portas dos currais uniformemente abertas em lista de espera, passámos e a aldeia espreitava-nos, nem agressiva nem receosa, as gentes como nativos de um outro continente surpreendidos com a nossa visita. Ao fundo uma casa alta de tijolo mal rebocado dirigiu-nos para a esquerda e saímos da aldeia, uns metros e chegámos à ponte celta ou medieval referenciada e que salvava o rio Porto. Rio cujas águas adolescentes, geladas e corridas, galgavam talhas e arbustos. A estrada continuava como caminho, ali perto outro país e talvez a mesma ou uma outra vida. Talvez outro rio, o fim do planalto, de um parêntesis, um planalto é um intervalo. Desci até ao rio Porto (ou Portos, já não me lembro bem), rio onde gerações de roupa foram lavadas para servirem mais um dia, era isso que eu só pedia, mais um dia de paz, mais um intervalo. Procurei lavar o que me veste e defende: pés, mãos, olhos, o pescoço recuado - e o mediastino, a gaveta alta e estreita onde guardamos o coração. Nada feito. Sempre eu ao volante, voltámos para trás, eu sabia que voltaria a passar por aquelas ruas cheias de estrume, por aqueles olhos apenas curiosos, os das gentes, os dos animais.

Não sei porque te conto isto.