segunda-feira, dezembro 10, 2012

Lobo Antunes, pelo que me contaram...

Um amigo meu, médico, foi recentemente a uma sessão de autógrafos do escritor António Lobo Antunes (ALA).
Apresentava-se o seu último livro, "Não É Meia Noite Quem Quer". Era uma livraria com um pequeno auditório a completar com um pequeno espaço exterior. Fazia frio. O escritor já tinha chegado. Vestido como se não mudasse de roupa há dez anos, ia cumprimentando, fumava, tomava um café. Fazia-se acompanhar por alguém da editora, assume-se. A dona da livraria fez uma apresentação do autor e do livro em toda a sua inflorescência, tema "Nobel" incluido. Depois um pequeno a-parte do editor e chegou a vez de ALA.
O meu amigo médico já não lê ALA há muitos anos. Romances, diga-se. Lê com muito prazer as crónicas, ora nos jornais ora nas suas colectâneas. Teve alguns livros do escritor emprestados mas extraviou-os da pior maneira possível. Em Portugal há sempre esta mania dos Sporting-Benfica, neste caso Saramago vs Lobo Antunes. Sendo mais legível a escrita de Saramago, é a de Lobo Antunes mais poética, voa melhor e mais. No que a sessões de autógrafos diz respeito, a deriva discursiva de ALA foi um néctar de um deus que, nesta pequena terra portuguesa, ultrapassa o espaço que lhe é dado. Incluindo nesta livraria, onde nem direito teve a uma água na mesa.
As pessoas saiam e entravam, bebiam, fumavam, enviavam mensagens, faziam fotografias, e por aí adiante, como se ter ali à sua disposição um "nobelizável" fosse algo tão natural como a sua sede e a mencionada falta de água na mesa. As perguntas da audiência foram particularmente alarves. Ou infelizes, vá. Um jovem tratou o escritor de "sr. António" e ninguém lhe deu um tiro.
ALA surpreendeu o meu amigo médico. Dos poetas falou de alguns esquecidos: José Blanc de Portugal, que era amigo do pai, e de Manuel da Fonseca. Citou os clássicos, incluindo D. Francisco Manuel de Melo. E lá foi dizendo que não era preciso que escrevêssemos todos, era preciso sim que se escrevesse bem, e en passant mencionou que havia muita gente a escrever mal em Portugal. Disse detestar a palavra e o epíteto de "jovem", "jovem foi o meu pai até morrer", disse. ALA ouve mal, e ainda bem. Como não percebia o que lhe perguntavam, abria o reportório e dizia coisas: "o livro é como uma orelha", "o perfume numa mulher é como uma cauda de cometa"... Percebeu-se que está "ligeiramente zangado" por não ter tido o Nobel. Percebeu-se que fuma onde muito bem lhe apetece. Que há muitas mulheres no seu trajecto, um de muitos irmãos que só conheceram a mãe até... tarde? A mulher, esse grande mistério... "O homem tem uma irmã gémea que perde ao nascer e então passa toda a sua vida a tentar reavê-la, encontrá-la!". O meu amigo disse ter tido a sensação que nem sempre a razão estava do lado de ALA, mas tinha pena. ALA falou do governo como um conjunto de pessoas com sorte por este país não ser consituido por pessoas mais cultas: "um povo culto não aguentava este governo", e citava o escritor um governante qualquer macarrónico: "com toda a probabilidade e talvez com certeza" (!!!).
ALA terminou a falar da dignidade como a forma suprema da elegância e assim foi a sua presença, a sua fala, o seu não ouvir o que não lhe interessava nem tinha manifestamente qualquer interesse em ouvir - elegante. Se um país que está assim merece assim um Homem destes é uma questão que ALA faria por não ouvir... respondendo, por ex.: "Portugal tem no século vinte a melhor poesia ocidental, melhor só talvez a americana!".
L'important c'est...