sábado, abril 23, 2011

A Poetria e Alberto de Lacerda..

"Apesar de tudo há um caso de amor
Entre mim e a vida"



É sempre um prazer dar um salto até à Livraria Poetria, ali na esquina dos antigos Lumiére, quem atravessa de Carlos Alberto para a José Falcão.
As minhas aquisições mais recentes, medidas e sopesadas, renderam-me o maior dos prazeres que é - reconhecer poesia Maior, para mim aprendiz de feiticeiro.
Este Portugal que temos exangue e pedinte, teve então o tal Século de Ouro de Poesia, assim está decretado. Para esse século de ouro está decretado um cânone e, aqui, de memória, podia facilmente enunciá-lo de cor e salteado. Tenho nos últimos tempos procurado bordejar um pouco esse cânone e reparar em outros autores também de grande valor, que pelo século que passou andaram e fizeram o que hoje nos parece difícil, a grande poesia em português.
Um exemplo sendo Alberto de Lacerda. Cedo aqui ao obituário do jornal inglês The Independent o papel de contar uma história. Prefiro avançar para alguns poemas do seu livro "Oferenda I", colectânea da INCM em edição de 1984 - como o que encima este texto.




"Eu busco a maravilha duma outra nudez
Que os deuses partilham com certos mortais"




"A jaula branca dos teus dentes
O riso aberto de criança
O fácil enxuto desprevenido
De cada gesto - barco - dança -

Certa tristeza como um beco
Que mal se vê da praça larga
Certa malícia certa pureza
Todo o teu ser repete ao sol
Certa alegria quase grega
Álgida louca portuguesa

Hei-de morrer não tarda espero
Digo-o sem lágrimas na voz
Tudo o que eu sou (quem somos nós?)
Se transfigura quando imagino
Em vez da morte teus olhos negros
Em vez da morte a tua voz"




"A luz da tarde sem alfinetes
Tem a doçura do meu desejo"




"Há dias em que o ar é uma espuma
Batendo sobre a praia do meu rosto"




"De meus amores
Não sabereis nunca
Amigos que eu mais profundamente
Amei
A noite e o dia
A montanha e o mar

De nada tenho que pedir perdão
De nada tendes que me acusar

De meus amores
Uma só estrela atravessa
Verdadeiramente a minha solidão

Dizei-lhe quando eu morrer
Meus amigos pois sabeis quem é

Mas não nem isso Não"






P.S.: Alberto de Lacerda tem um pequeno conjunto de poemas sobre a festa brava chamado "Tauromagia" que antecipa e ilumina no seu brilhantismo, por ex., um conjunto de poemas outros sobre o mesmo tema que escreveu António Osório:


"TOURO DE MORTE


Vorazmente
Passar do negro ao vermelho"