quinta-feira, maio 28, 2009

Zelig e Stardust Memories


O filme “Zelig” saiu em 1983 à praça pública e marcou uma nova fase na imagem de Woody Allen como realizador de cinema. Sendo o 2º filme a aparecer com Mia Farrow como protagonista e de “A Midnight Sex Comedy” – o 1º- ter recebido críticas algo mornas em 1982, “Zelig” significou um ponto de viragem na relação de Woody Allen com a crítica, europeia e então também americana. O último filme antes de Mia Farrow fôra “Stardust Memories”, de 1980, ora aclamado ora detestado, e parecia ter demonstrado alguma dificuldade do realizador e cómico em perceber para onde ir. “The Midnight’etc…" era diferente, sem dúvida, mas se calhar pouco mais.
Ora Zelig é na realidade o projecto de Allen para o ano 81, atrasando-se a sua saída a público pela dificuldade dos efeitos especiais utilizados – que demoraram dois anos a executar. “The Midnight’etc” e “Broadway Danny Rose”, nas salas em 84, foram filmados enquanto Allen editava “Zelig”. Portanto, “Zelig” é o 1º filme da era Mia Farrow.
E efectivamente as diferenças são muitas. “Stardust Memories” é um filme “europeu” na exacta medida em que citará abundantemente o “81/2” de Fellini e tem uma montagem, uma mistura de tempos e um expressionismo nada americano, ou se quisermos talvez sim mas anos setenta, lembrando que muito cinema americano dos anos sessenta e setenta foi beber ciência ao cinema europeu do pós-guerra. É um filme indeciso, flutuante na velocidade e nas mensagens e nas soluções. Allen critica a crítica e critica e critica, mas não sai ileso da peça, tanto que o beijo de saída é recebido com incredulidade por todos nós, incluindo a actriz, a francesa Marie Christine Barrault. Uns anos depois nem Allen nos voltaria a enganar, nem a enganar-se.
“Zelig” é um filme americano, ponto final. Conta uma história americana de um herói americano, Leonard Zelig, o homem-camaleão. É a mais bem embrulhada das fábulas, sem incertezas de ritmo nem de urdidura. Não há meandros nem deambulações. A piada está distribuída qb, e o anti-herói recebe o seu prémio no fim, a rapariga – que é Mia Farrow a jovem e brilhante psiquiatra – e o reconhecimento de uma nação, a americana. Lembremos a relação umbilical de Woody Allen com a psicanálise para pôr Mia no seu lugar, a mulher que vai descorticar o puzzle Woody Allen dos meandros e das interrogações existencialistas e relacionais prévias. Sabemos hoje que este idílio fílmico não durou tanto assim mas serviu por exemplo para noutra obra-prima deste “período americano” de Allen, “Broadway Danny Rose”, Mia Farrow ter um dos melhores papéis da sua vida. Voltando atrás, efectivamente Mia Farrow e Woody Allen foram um casal-maravilha dessa americana cidade de New York até 1992, ano de “Husbands and Wives”, e mais não digo.
Para terminar, acabo por preferir "Stardust Memories" a "Zelig", aquele mais imperfeito portanto mais humano, este se calhar apenas um brilhante statement à volta de uma nova relação, por mais bem disfarçada que a coisa esteja.
Ah, claro, e "Stardust Memories" tem Charlotte Rampling.

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