quarta-feira, fevereiro 11, 2009

Lavandarias Atenienses

(...)

"Mexendo, para levantar a cortina que no pequeno talho - um ritual - ia suja com as roupas espremidas e que a inteiriçavam toda. Depois, uma franja cega, que teu pai finalmente viu - e a decisão de mandar-te para Lisboa. Vieste seminua para a entrada, após dois tiros disparados quase simultaneamente. O homem teria passado a cerca e entrado. Na realidade, manquejava um pouco, agora, e estava inocente. Eram coisas que trazia, em geral do Moinho, pela madrugada, onde se haviam cruzado os cheuiros fortes da serra. O pequeno falcão cinzento, a doninha brilhante, ervas ásperas, juntos na necessidade de vir por aí acima. Desequilibrou-se na palha húmida e mal cheirosa. E tu, num assomo franzino, pegaste na foice espetada na trave e deste com ela uma única vez no pescoço mal acordado. Caiu a contrair-se mas sem um gemido. O mundo amoleceu bastante desde então. Há quem diga. Nas lavandarias atenienses é que prosssegue o inevitável."

Gil de Carvalho, in A Cidade de Cobre, ed. Cotovia, 2001.

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