Os Jerónimos "verdadeiros"
Não são muitas as pessoas a saber que o mosteiro dos Jerónimos que hoje se aprecia a olhar para o Tejo em frente à praça do Império é tanto uma obra do séc. XVI como do séc. XIX.
Sempre que me desloco a Lisboa, eg. a congresso, como aconteceu neste fim-de-semana, os Jerónimos são excursão obrigatória. E que nunca é completamente agraciada com o desejado - disfrutar da igreja e do claustro com o menor nº de pessoas possível.
Efectivamente o "único" dos Jerónimos pode-se decompor em 4 coisas, 4 poemas em pedra, sendo 2 deles maravilhas da arquitectura portuguesa e europeia e poemas do desenho e do espaço, onde os elementos se transformam e a obra feita é perfeita. Falo dos dois portais, sul e poente, e da igreja-salão e do claustro.
Porém, a maior parte dos portugueses tem dos Jerónimos a ideia cenográfica daquela uniforme e harmónica extensão de pedra clara, mais de trezentos metros, a prolongar a igreja onde sobressai o portal sul os corpos maciços e discretos das capelas laterais, os dois torreões de transição a rematar a boca da igreja, e a cúpula arredondada a fechar a torre sineira. Toda a extensão para poente, espaço para dois museus, foi completamente refeita no séc. XIX. Já existia antes, e seria assim comprida, mas possivelmente com uma traça algo mais humilde. Os dois torreões de transição não existiam, a torre sineira era rematada por um telhado piramidal, bem menos artístico do que o actual.
Por outro lado, o vão que se sobrepõe à cobertura de transição da porta poente - a porta principal - foi criado no séc. XIX, ao dar ao coro alto uma luz que ele perdera no final já do séc. XVI: sobre esse vão ficava um acrescento maneirista onde estava uma grande Sala dos Reis. No séc. XIX este grande acrescento maneirista, similar em estilo ao altar-mor, foi derrubado, ao se decidir que os Jerónimos deveriam ter uma unidade de estilo "original". Considerou-se no séc. XIX, dentro dos gostos revivalistas e do nacionalismo da época, que os Jerónimos eram uma obra inacabada, e que precisava de um acabamento digno e "heróico".
É impossível retrospectivamente ajuizar do bom ou do mau que se fez. Criou-se portanto um "monumento sobre o monumento", de que talvez a expressão mais feliz seja a cúpula arredondada, que porém qualquer leigo em arquitectura compreenderá ser um pastiche, e a expressão mais desastrada os torreões esguios por ali semeados e a destruição da Sala dos Reis, marca que seria do compósito da arquitectura ali feita em menos de um século, e que se destruiu porque cenograficamente não resultava "bonito"...
Claro que com os Jerónimos verdadeiros a praça do Império seria menos Império... mas as 4 jóias da coroa que eu referi marcariam na mesma a sua presença, e a verdadeira praça estaria nas nossas costas, a saber - o rio Tejo, o mar Oceano...
Como curiosidade veja-se também como estava o claustro antes da sua recuperação...
Os Jerónimos, foram ocupados literalmente pelos franceses de Junot no início do séc. XIX - que saquearam o que puderam. Depois foram hospital militar dos ingleses, que destruiram bastante da coisa. Em 1833 as ordens religiosas foram extinguidas e o edifício ficou ao abandono. Anos depois abrigou - em muito más condições - a Casa Pia de Lisboa, até que nos anos 60 do séc. XIX começou a ser encarada a sua recuperação como uma causa nacional, e que só terminou no início do séc. XX...
Etiquetas: arquitectura
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