segunda-feira, dezembro 05, 2005

E então para onde vamos ?

Os conselhos tinham sido de palavra escassa e resumiam-se a pouco, e era assim a reza: “Debaixo do céu não há nada de novo: a tua cabeça não pára de pensar, o teu corpo é que não mexe. Estás à espera que uma catástrofe te caia em cima e te desperte, mas tens dificuldade em adormecer todas as noites, eu sei!”
Bom, meter o carro na garagem. E a marcha-atrás.
O acidente foi limpinho, ao guinar à esquerda não viu quem vinha. A chapa batida ainda foi bastante. E ouviu-se até ao mar.
O amassar do carro começava logo à frente da sua porta, o que implicava em primeiro plano, vidro com vidro, uma condutora furibunda, a gritar várias coisas pouco entendíveis se exceptuarmos alguns palavrões-âncora. Apesar do escuro via-se um fio de sangue a descer da sua testa. Não levaria cinto ? Pelos vistos não. Uma catástrofe tinha sido pedida, eis uma. Só que não o era, aliás já estava a antever a paragem do carro, os dias de táxi, abandonando-se à direcção de outra pessoa a conduzir, tudo bem...
“Camelo de merda, e agora ?” Acordou e desceu à diplomacia. “A despesa é toda minha. Magoou-se ? Melhor fazer aí um curativo... não quer...” Ela saíra do carro e berrava de braços abertos. “Eu amanhã trabalho, estúpido !” E era, há muito que o sabia, mas no dia a seguir ele também trabalhava, portanto... Possivelmente a sua cara fosse de uma desolação tão sincera que ela parou, fechou os braços e depois com o levar da mão à testa decorou a cara com um traço vermelho em diagonal do seu próprio sangue dizendo: “Tenho que ir ao hospital, não ?” Ele achava que não.
“Tem vontade de vomitar ? Vê duas imagens ?” “O quê ?” E ainda: “Chamo-lhe um táxi e estacionamos os dois carros logo ali em frente, é logo ali o meu mecânico, ele é rápido, um pouco caro – mas como sou eu que pago... o meu telefone é” “Eu amanhã trabalho cedo...quero-me ir embora, acha então que não preciso de ir ao hospital ?” “Peço mais uma vez muita desculpa...” Esgotada a fúria esgotara-se um pouco a situação, e assim pouco depois o táxi afastou-se, e ele ficou com duas chaves de automóvel nas mãos “Ah, e o seu nome é...” “Helena ! Faço penteados.” “E o telefone?”

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