segunda-feira, dezembro 24, 2012

Os desastres de Sofia.

A nostalgia é tramada. Vem isto a propósito de há uns dias ter passado pela minha cabeça rever - e reler? - os velhos livrinhos da Condessa de Ségur, escritora francesa de origem russa do século XIX,  e que eu li muito novo, muito novo, muito novo. Eram livros com morais edificantes e sofrimentos prolongados e que eram verdadeiras torturas, só muito tardiamente premiados/as. Não eram livros que me lembre de ter lido com prazer completo. O "Pobre Brás" tirava-me o sono. O "Chico Corcunda" demorava até à antepenúltima página para acabar em bem e com uma cirurgia milagrosa que, no século XIX,  devia ser tão real quanto os livros de Julio Verne. O livro "Depois da Tempestade a Bonança" era quase só tempestade e mui pouca bonança. O castigo corporal não era de todo ausente, a moral era estrita, casta, catolicíssima. Lembro-me de ter ficado muito curioso com uma bebida que eu deconhecia, a cidra. As Asturias saciaram-me a curiosidade muitos anos depois.
Um livro fascinou-me em particular, e chamava-se "Os Desastres de Sofia". Sofia era uma menina com uma história familiar complicada e cuja incerta educação fazia que, impulsiva e expansiva, cometesse os mais improváveis disparates. As intenções eram sempre as melhores, os desastres imensos, com o devido castigo a seguir, o exemplo e a moral logo ali à esquina. Sofia queria ser boa, queria ser feliz, queria ser amada. E destruia quase tudo à sua volta nas suas tentativas para conseguir os seus objectivos: ser boa, ser feliz, ser amada. O meu contacto com as crianças do sexo feminino foi muito tardio e nem por isso iluminado ou esclarecedor. Esta Sofia pode ter sido a primeira menina a fascinar o meu pequeno coração de rapazinho - quantas mais se seguiriam - e porquê? Porque me parecia a mim, no meu pequeno saber de cinco, seis, sete anos, que a compreendia melhor do que qualquer outra personagem que com ela convivia no livro. Compreender e aceitar, já então, pois...

Et voilà!