quarta-feira, novembro 30, 2011

Uma vida melhor.

Hoje fui uma vez mais taxista de meus pais. Esta expressão não é feliz mas coincide com este Outono e estas coisas que me vão acontecendo, pedindo palavras menos suaves e bordar de escrita mais forte e mais tenso.
O rim esquerdo do meu pai cansou-se de cinquenta anos a expulsar "calhaus rolados", como diz a neta. Amarelados porque de urato constituidos. E sairam e sairam mas agora não, ou raramente, porque ele é demasiados anos. O ureter esquerdo do meu pai eu comparo-o, observado o meio complementar de diagnóstico, a uma auto-estrada. Pois coincidindo com os tempos, alguém lhe aplicou portagens que, não havendo identificador, levam ao fechar de barreiras, a hidronefroses e outras dilatações. O meu pai não vai em identificadores.
A auto-estrada tinha como que uma via rápida central chamada "duplo J". Lembro-me logo do JJ, quando o Vitória era de Setúbal e jogadores assim tornavam este Portugal um pouco menos racista e pequenino. Tirado o cateter, fui levá-los a casa. Falou-se, para distrair, das actividades extra-escolares da única neta. Diálogo onde o meu pai pratica as clássicas respostas masculinas em espelho, que igual aquecem como não querem dizer nada, apenas sendo aquele cimento sobre o qual assentam estas conversas de pai e filho. E a minha mãe começou a falar da sua educação musical. Ministrada por seu pai, que eu não conheci. Começada num instrumento e depois rodada para outro, aulas pagas em escola particular no Porto. O orgulho de um pai e a felicidade de uma filha trocados por miúdos em bandolins e acordeões, em récitas para amigos e cumplicidades de trás de porta perante a mãe e esposa que nada compreendia. A minha avó que também já faleceu. Algumas destas histórias não são simpáticas ao meu pai, por questões que aqui não vou referir. E de ouvi-las cansei-me eu (e, já agora, também de ser sexy!). A minha mãe nestas histórias deixa de ouvir os demais, ouve-se e chega-lhe a audiência. Ao chegarmos perto de casa comentei ao meu pai para "deixar estar", que não teria tempo para começar a contar uma quarta história, calma, pá, calma...

Atrás de nós, medicada porque de enjoo fácil, a minha mãe recordava quase a cantar a sua vida melhor.