Afinal a que hora eu deixei de poder falar?
Bom, estou aqui e não consigo falar. As palavras não saiem, nem bem nem mal, eu sei as coisas que quero falar, mas elas onde estão? E a voz não é voz, faz (faço...) uns ruídos estranhos, tudo esquecido, tudo perdido, não sei se para sempre.
Foi há três dias. Vivo sózinho. Levantei-me, fiz a minha higiene, a barba, a nebulização, o pequeno-almoço. Vesti-me sem pressa. Para quê a pressa? Nem a posso ter, os meus pulmões não deixam, quando eu quero que eles mais abram é quando fecham e fecham, não posso ter pressa. Sentei-me um pouco no quintal, ia estar um dia bom, fiquei por ali. Uma pessoa habitua-se ao silêncio, mecaniza os gestos e os andares para que o pensar não pese, não custe, não doa. Um pouco depois levantei-me e decidi sair para ir às compras. Peguei num saco de plástico bem dobrado em triângulos pequeninos e pu-lo no bolso. Assim poupo uns cêntimos. Chaves, porta-moedas, porta bem fechada. O supermercado a cento e cinquenta metros. Foi no supermercado que eu não consegui dizer "bom-dia". "Bom-dia!" Nada. Senti uma tontura, o meu lado direito a desistir e quis dizer mais coisas, muitas mais coisas, certificar-me a mim e ao mundo que eu ainda sabia dizer mil e uma coisas, lembro a minha mulher que dizia: "Homem, falas bem, falas mesmo bem!", eu era assim mas não saiu nada, só um ruído como duas pedras a raspar uma na outra mas da chama nem sinal, o fogo que faz de nós homens, a palavra, ora jogo ora a mais séria das missões, luz intensa. Lembro-me que caí, depois chegaram e meteram-me numa ambulância.
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