Uma merda de texto para a "Egoísta".
“Don't tell me to stop”
São as seis da tarde e ela acabou de sair. Falhou-a por pouco, aliás. Sente-se. Nunca sei o que isto quer dizer, sair. Isto é um café, lá fora uma rua, ela passou do café para a rua. Sair, entrar. Porque sabemos bem que uma coisa implica a outra. Está a ouvir? Isto interessa-lhe? Agora, este café é onde eu estou, pelo fim desta tarde de fim de verão, onde falhei uma férias. Mas isso é outra história. E não estou na rua para onde ela foi. Embora.
Embora. Palavra interessante. Existe noutras línguas? Uma conhecida minha de Espanha costumava perguntar-me onde ficava essa terra, “Embora”, esse sítio…
Podia chamar ao meu cão “Embora”. Ou à pedra apanhada na praia a semana passada e que decidi usar como pisa-papéis. “Embora”. Reforça o acontecido. Pisa, repisa. Conforma a acção como algo definitivo. Ela foi-se embora. Mas vai voltar. Como das outras vezes. Eu trouxe-lhe um livro. Ela deu-me um beijo.
“Tell the rain not to drop”
Levamos umas semanas nisto. Eu explico. As feridas lambem-se melhor ao sol. Tenho andado a lamber umas feridas. Ao escolher o sol como enfermaria e a Superbock como medicação, levo conhecidas a quase totalidade das esplanadas viradas para o mar do Grande Porto.
Foi numa delas que ela me pediu um cigarro. Ora eu só fumo um cigarro por dia. É uma coisa que decidi à muito tempo. Portanto nunca me falta tabaco para ceder a quem quer que seja. Porque não a uma morenaça algo entrada na bebida, e cujo desenho de formas me foi abundantemente explicado pelo sol contra o qual ela se expôs ao pedir-me o veneno? “E então? O veneno?”. Dado o maço a escolher, ela tirou um e respondeu daquela forma parva à portuguesa que come o “o”, “’brigadinha!” Nem era alta, o diminuitivo assentava-lhe, embora voasse um desmentido a partir da anca que voltava ao lugar donde ela partira. Tinha muita anca. O cigarro não era para ela, era para o “amigo”. Soube depois que ela não fumava. O caso é que o “amigo” foi-se embora aí uma meia hora passada e ela aproximou-se e perguntou se podia sentar-se. Não me apercebi no corpo dela de qualquer impedimento.
“Tell the wind not to blow”
Contou-me ali, Praia da Madalena, o que quis da sua vida. Que vendia casas. Ganhava uma percentagem. “Por acaso não andas à procura de casa?” Falhaste por pouco, baby! E, portanto, “como compreenderás”, expressão que de todo me surpreendeu, “a minha vida está a complicar-se”. Logo ali adivinhei um processo fluido de acumulação de défice sobre défice, uma morenaça – ainda não lhe tirara bem a idade – à imagem de um país, um pouco etilizado também ele, enfim, um livro aberto, uma boa história. E um fato de banho a condizer. Eu não podia com tanto interesse dentro de mim pela situação do país que se apresentava ali, diante dos meus olhos. Mas, e há sempre um mas, apesar dos “pareces giro” e “sabes ouvir, pá”, chegou aquela do “tenho q’ir”, ou seja, o meu tempo de antena acabara. O esquema que me saiu no momento foi dizer que conhecia um amigo, minto, vários amigos que se calhar estariam interessados em arrendar, comprar, enfim, bendita palavra taurina, investir, em casas. Casas, casas, casas. Não muito bem no sentido que Ruy Belo tinha dado à expressão mas mesmo assim residia ainda alguma poesia na coisa. Se me deixasse o contacto, o número do telemóvel… e deixou. “Este é o do emprego?” “Não…”
“'Cause you said so, mmm”
Nunca lhe telefonei. Telefonou-me ela. Sempre. A primeira vez foi dois dias a seguir aos eventos da praia da Madalena. Se queria tomar uma bebida, para conversar. Que sim, disse-lhe em que esplanada estava, sugeriu uma a meia distância entre os dois pontos que éramos nós naquele momento sujeitos às correntes electromagnéticas da Vodafone, lá fui ter.
Um homem é um território. Convém que se marque. Fiquei todo marcado naquela tarde. Ela pôs marcas onde quis, como quis e quanto quis. Parecia que me conhecia de outra vida. Enfim, esta invasão da minha privacidade, que não a frio mas não em privado, teve porém um detalhe que gosto de referir e acariciar de vez em quando. Vamos saltar sobre a fogueira que eram os seus lábios, pois beijava, e beija, assaz adequadamente. Não. O facto é que me elogiou o andar. A sério! A forma como ando. Desde a minha adorada professora de ginástica do sétimo ano que ninguém reparava! “Andas de uma forma gira. Eu vi!” Ó pá… ele há coisas do escafandro. Foi aqui que pensei que levava anos sem comprar preservativos. Podem rir-se. O caso até é para mais. Depois de outro “tenho q’ir!” deixou-me por ali, aproximadamente sobre aquela cruzinha que fica no meio do palco que há em todas as esplanadas, podia ter agradecido que alguém me atiraria flores. Nada disto voltaria a acontecer. Pelo menos não tanto.
“Tell the sun not to shine”
Demorou três dias a voltar a ligar-me. Eu, a fazer de forte, decidira esperar. “Onde estás?”. Apeteceu-me responder “na cama da Lina” mas adiante, pois todos fazemos a mesma pergunta idiota ao telemóvel. Apareceu-me pela frente num café do centro de Matosinhos e pediu-me cinquenta euros, “depois explico-te, és um amor”.
Explicou-me outros três dias depois. Enfim, já me esqueci da explicação. Teria que ter aulas para conseguir destrinçar a verdade. Desta vez falou-me muito do seu trabalho, a mão no meu joelho. Pediu-me opiniões, discutiu tácticas, formas de publicitar, estratégias para promover, quase tudo começado por “p”, enfim, parecia algo desesperada com a coisa. Colocasse ela a mão um pouco mais acima e eu teria ido para o terreno vender apartamentos com ela. Não foi o caso. “Tenho q’ir!”
“Not to get up this time, no, no”
E levamos umas semanas largas nisto. Sou convocado por telefone para encontros que eu nunca sei o que são. Ora me pede o jornal, ora me mete a mão nas calças, ora me convida para um filme, um jantar que depois sou eu que pago. Nunca passámos mais de umas três horas juntos. E somos os ases do foreplay. Mas há sempre como que uma espécie de complexo da abóbora da Cinderela no ar, ou um relógio a marcar o tempo. Sem sapato de cristal. Eu percebo logo quando ela começa a fervilhar que o famoso "tenho q'ir" vai cair não tarda nada. Mas ela volta sempre. Nem é preciso procurar, mandar emissários pelo reino fora, batedores, palavra interessante, não nego.
Uma vez perguntei-lhe “não queres vir lá a minha casa?”. “’Tás doido? E a tua filha?”, o que me obrigou a uma longa história sobre responsabilidades partilhadas e portanto uns dias sim outros não e por conseguinte… ela bocejou, depois lembrou-se de fervilhar e aqui eclodiu o “tenho q’ir!”.
Outra vez, perante a mesma sugestão, feita com alguma insistência, olhou para mim de uma forma mais demorada, senti como que as filmagens quase a parar por uns instantes, até juro que ouvi alguém a dizer “slow... mo... tion…”, e ela sussurrou “deixa estar…” e logo olhou para longe, a câmara voltou a filmar normal e ela lançou “nunca conheceste ninguém tão livre como eu, pois não?”. E eu com aquele “deixa estar…” nos ouvidos, a precipitar-se por ali abaixo e deixar-me com uma sinusite…
“Let it fall by the way"
Sim, livre. Livre de me telefonar quando muito bem entende. Não é? Livre de fazer comigo o que muito bem quiser. Com os limites, isso vejo eu, até agora bem desenhados a régua e esquadro. Ou não? Ou será exactamente o oposto, estarei eu a conviver em doses pequenas mas compactas com uma artista do improviso? Sabe-se lá onde isto pode acabar… A verdade é que neste momento sou eu livre de inventar a partir daqui a história que muito bem quiser!
A verdade é que já não me lembro de que feridas lhe falava no início. Nem as consigo localizar. É, sinto-me em forma. Estou aqui neste café mas, sabe, a decisão é minha, esta, de aqui estar. Em vez do não. Do não estar, claro. Eu podia não atender. Ela foi-se embora. Mas volta. Liberdade é dizer que não, não está assim escrito? Mas quem é mais livre? Quem pede para ver, ou quem passa? Eu não percebo muito de jogos de cartas, é certo. E livres serão os dois, dependerá da mão que se tenha. Por falar nisso, eu já falei das mãos dela? Não há mãos mais quentes! E as roupagens? Senhor, mandem rezar uma missa, ela diz que faz os desenhos e depois os leva a uma modista. Todo um postal. Que eu acho que às vezes ela me pede para preencher, o postal digo, enfim, não há muito mais para contar, esta última metáfora, já é do cansaço….
”But don't leave me where I lay down"
Está a ficar um pouco de frio, não lhe parece? Obrigadinho pelo café. Tenho q’ir... xau! Nem imagino o guarda-roupa dela para o Inverno, deve ser um espectáculo! Mal posso esperar…
Livre, diz ela, hoje ninguém é livre, não concorda?
“Tell me love isn't true
It's just something that we do
Tell me everything I'm not
But please don't tell me to stop”
(a song by Madonna - I've put the vid before)
2 Comments:
Es una historia real? Lo pregunto porque me encantan este tipo de historias reales, yo mismo he estado en alguna parecida... Me daban la vida a mi estas cosas aunque a veces salgas escaldado...
No... wishful thinking... la verdad es que en serio escrebí algo mas o menos para encajar con lo mas o menos que leí en la "Egoísta". Todo un chiste, yo, la soledad me da para esto - o que em Portugal se diz lançar os foguetes, apanhar as canas...
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