domingo, abril 18, 2010

Reunião Escolar, Educação Visual, Almada, Matisse e o que mais fôr...

6ª feira passada foi um dia atribulado, decidido em cima do joelho. Foi também um dia em que, algo contrafeito, fui a uma reunião de pais da turma da minha filha, convocada pela directora de turma, julgo que apenas e só por estarmos no início do 3º período do 6º ano - onde há umas provas de aferição - que como sabemos, para nada servem.
Lá fui. Cheguei atrasado - detesto chegar atrasado onde quer que seja não sendo eu a decidir o atraso... - e tive de sair mais cedo pois a minha filha, desterrada no ATL, corria risco de despejo. A reunião prolongava-se, vá-se lá saber porquê. Ou melhor, prolongava-se porque um nervoso e jovem pai estava a protestar pela nota - um 2 - que o seu filho tinha tido a Educação Visual e Tecnológica, vulgo EVT.
Sempre achei que em EVT, Educação Física e Educação Musical uma negativa precisava de desprezo ostensivo pela aula, deficiência mental manifesta, gene autossómico dominante a impedir qualquer penetração na matéria em disputa, ou comportamento sexual desviante. O miúdo em questão, rapaz para 4's e 5's nas restantes disciplinas, em EVT tinha levado 2 no 1º período e, apesar de ter garantido ao pai que se tinha esforçado mais, idem no 2º. Segundo o testemunho imparcial da minha filha, no momento da discussão da nota, ao argumento do miúdo afirmando o esforço extra, a professora teria retorquido: "Achas?!?".
Eu estava com pressa pois estava previsto mudar de país ainda naquele dia. E não gostava nada do estilo do discurso do pai em questão. Tudo isto não impede que provavelmente este miúdo esteja a ser vítima de uma injustiça. O representante dos pais foi lembrando que, enfim EVT pouco conta... a directora de turma foi dizendo que ela "não era da área" pelo que não podia opinar sobre...
Vamos por partes:

a) EVT é das disciplinas mais importantes do currículo do 6º ano da minha filha. Sobretudo o EV - que a associação do T não lembra ao escafandro, sendo a boa visão tão avessa aos itens da tecnologia. Ajudar a aprender a VER. Este é todo um programa e a isto se podia resumir. Será que o miúdo filho daquele pai se recusou a aprender a VER? Não conseguiu? Não queria? Como José Afonso declarou "Eu vou ser como a toupeira"? Duvido. Como avaliar? Como avaliar EVT? Roça o impossível. Como negativar em EVT? Imaginemos que um trabalho é desfeito e calcado a pés junto por um aluno. Performance? Um Beuys em potência? Imaginemos que um aluno destrói qualquer rotina de aula pedindo iteradamente para ir ao "urinol"! Duchamp? Ou ainda uma aluna leva três trimestres para acabar uma torturada obra plástica de difícil avaliação pelos colegas de turma, por iteradas dores de coluna, cefaleias, desmaios, para além de bilhetinhos a todos os rapazes. Frida Kahlo, não vos parece?

b) a professora directora de turma, rapariga bem apessoada da área das Ciências e da Matemática, solteira nos dedos e bem atirada nas formas, se directora de turma é tem de saber dialogar com todas as áreas de ensino a que os seus alunos são sujeitos. É uma obrigação sua. Ter de ir lá VER. Simpatia não conta. Dizer repetidas vezes às mães que os alunos têm de ser "humildes e esforçados" porque aparentemente grassa na turma uma epidemia de negativas em EVT não serve. Ou não serve ela para directora de turma, que ficou a ser a minha opinião.

c) para objectivar um pouco tudo isto vamos então aos clássicos, que é Almada Negreiros na Invenção de Um Dia Claro (1921) com o seu conhecido texto sobre a flor e a criança, terminando com umas frase de Matisse, Henri, que Almada usava como introdutório. Leiam:


"Pede-se a uma criança: Desenhe uma flor! Dá-se-lhe papel e lápis. A criança vai sentar-se no outro canto da sala onde não há mais ninguém.

Passado algum tempo o papel está cheio de linhas. Umas numa direcção, outras noutras; umas mais carregadas, outras mais leves; umas mais fáceis, outras mais custosas. A criança quis tanta força em certas linhas que o papel quase não resistiu.
Outras eram tão delicadas que apenas o peso do lápis já era de mais.
Depois a criança vem mostrar essas linhas às pessoas: Uma flor!
As pessoas não acham parecidas estas linhas com as de uma flor!
Contudo, a palavra flor andou por dentro da criança, da cabeça para o coração e do coração para a cabeça, à procura das linhas com que se faz uma flor, e a criança pôs no papel algumas dessas linhas, ou todas. Talvez as tivesse posto fora dos seus lugares, mas são aquelas as linhas com que Deus faz uma flor!"


"Je travaille tant que je peux et le mieux que je peux, toute la journée. Je donne toute ma mesure, tous mes moyens. Et après, si ce que j'ai fait n'est pas bon, je n'en sui plus responsable; c'est que je ne peux vraiment pas faire mieux."



Et voilà!