terça-feira, março 16, 2010

Rosa Maria Martelo

DISTÂNCIAS


A criança deixou os sapatos no meio da sala e foi dormir. Nesse pouco de desordem vê-se agora como encenar dentro de casa um tempo quase a florir: aqui levanto uma bandeira, aqui ponho duas pedras, um dia hei-de voltar. "Tudo é o espaço, o tempo, o vazio ou a letra", mas o ar a descer para os pulmões não preenche pelo lado de dentro as finas redes do vazio. Letras repetem infinitamente o que falta, folhas e folhas amarfanhadas, o espaço contra o tempo nas gavetas. Por que havemos de bater a uma porta que não há? Por não haver razão, precisamente, e para não haver diferença entre bater a uma porta e ser a porta onde bater. A estreitíssima porta (a que bater tão fundo) entre o lado onde se bate e o outro lado do mundo.



in A Porta de Duchamp, 2009, Averno.







(sublime!)