sábado, março 27, 2010

Anna Akhmátova

TENTATIVA DE CIÚME


Como é a tua vida com outra mulher?
Mais simples, não? Uma simples remada!
Na linha do horizonte
a minha memória recuou,

uma ilha flutuante
(no céu, não nas águas).
Almas, oh almas! Vós sereis irmãs
não amantes!

Como é a tua vida com uma mulher
vulgar? Sem o divino?
Agora que destronaste a tua rainha
e tu próprio renunciaste ao trono,

como é a tua vida? Que fazes?
Hesitas? Como te levantas?
Como consegues, pobre homem,
pagar o preço da trivialidade imortal?

"Chega de convulsões e palpitações!
Vou alugar uma casa!"
Como vai a tua vida com uma mulher normal,
tu, que foste escolhido para mim!

A comida é mais adequada
e estável? Não te queixas se te fartares...
Como é a tua vida com a tua imagem -

tu, que pisaste o monte Sinai?

Como é a tua vida com uma estranha,
uma mulher deste mundo? Diz-me - agradável?
A vergonha, como as rédeas de Zeus,
não te fustiga a testa?

Como é a tua vida? A tua saúde?
Passável? Como cantas?
Como enfrentas a consciência imortal
que te assalta, pobre homem?

Como é a tua vida com um produto
do mercado? O preço é caro, não?
Depois do mármore de Carrara,
como é a tua vida com um bocado

de gesso estilhaçado? (Deus talhou-a
de um bloco e estilhaçou-o?)
Como é a tua vida com qualquer,
tu que conheceste Lilith?

O teu apetite satisfez-se? Agora que a magia
perdeu o seu poder sobre ti,
como é a tua vida
com uma mulher deste mundo?,

sem um sexto sentido? És feliz?
Não? Num poço sem fundo -
com é a tua vida, meu amor?
Pior do que a minha vida com outro homem?



Anna Akhmátova (1888-1966) in Poetas Russos, ed. Relógio d'Água, trad. Manuel Seabra.