sábado, outubro 07, 2006

Cê 2006


E nem tudo está perdido, temos novo disco do Caetano.

64 anos, este monstro musical acaba de parir novo OVNI em forma redonda de CD com furinho no meio, pelo menos para mim que ainda compro.
Podia optar por não escrever nada e referenciar tudo ao texto que o próprio distribuiu à imprensa com o lançamento de “Cê”, diminutivo de “você”, claro. Mas como conseguir?
Com produção sobretudo de Pedro Sá mas também do filho Moreno Veloso, este disco é retintamente Caetano, e não é pelo facto de se tratar de doze canções sobrepostas a uma formaçõa rockeira em power trio, ou de as vestimentas frequentemente soarem a New Wave, ou No Wave, ou John Cale até que se pode dizer que nunca ouvimos Caetano cantar assim e sobre estes sons. Ecléticos, pois muito mais do que rock aqui está. Aliás a referência será a cena indie brasileira, para mim desconhecida…
Pois, 64 anos.
E como é a coisa? Caetano refere que ao fim destes anos todos será este o 1º disco só com canções escritas por ele. É obra. Caetano separou-se recentemente (a canção “Não me arrependo” disso trata), estará ou não um pouco mais sozinho. As 1ª s 4 canções alternam os ritmos rápidos (1,3) com os sons mais soft tipicamente deste autor, planando sobre as palavras irreparáveis, primorosas. Depois um lindo poema encena um requiem por Waly Salomão, uma espécie de não-canção, um esgotamento.
Mas a 6 é mais um item para o songbook, e é a tal onde ele diz que “Não me arrependo”. Intervalo no rock, isto é Caetano vintage. Ganha mais esta partida, o resto é diversão. A saber: “Musa híbrida” (7) joga com os falsetes e agudos do autor e resuma língua em desdobramento maior, há o português, o português do Brasil e as habilidades que Caetano faz com os dois. Música de pandeiro nada enro(s)ckado, território familiar, portanto. Depois ”Odeio” mete muita distorção pelo começo e pelo meio e pelo fim, mas é um pop, nem mais. A brincadeira que se segue, “Homem”, é a defesa do masculino Caetano, um manifesto que podia ter sido escrito há uns 30 anos, estilo music hall, com algum fuzz final. E aí a 10ª canção, uma muito provável private joke em sotaque português, “Porquê?” cuja letra transcrevo: “estou-me a vir/e tu como é que te tens por dentro?/porque não te vens também?”. Ou talvez não, por que a expressão usada na 1ª estrofe não se ouve no Brasil… Caetano à portuguesa é uma voz tipo-Fausto, ou Vitorino. Caetano: "Acho bonita a maneira como, linguisticamente, os portugueses resolveram a questão do orgasmo. No Brasil, usamos o verbo gozar, como na França. Mas é como se estivesse acabando alguma coisa. Estou-me a vir é reflexivo, ou seja, fala de si próprio. E ainda dá uma idéia de continuidade". Peço à audiência que repare que o poema tem 1,2,3 linhas.
A 11ª dose é uma deambulação Caetânica sobre dedilhação eléctrica. E no fim um hino a lembrar “Velô”, disco velho de 20 anos, embainhado em guitarras e sarcasmo, e que assim termina: “eu sou o herói/só deus e eu sabemos como dói”
Pois, 64 anos. Não é um disco genial, mas é o disco de um génio, e nota-se. Por falar nisso, lembram-se da versão de “Come as you are” no disco “A Foreign Sound”? Pois é, eu bem avisei.

Pois, 64 anos. Voltamos a citar Caetano, que não vota Lula: “A esquerda é como torcida de futebol. As pessoas ficam cegas. Eu sou um simpatizante da esquerda por sede de harmonia, de dignidade e de Justiça. Mas vejo frequentemente que a esquerda é quem mais ameaça essas coisas que me levaram a me aproximar dela.”

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