domingo, fevereiro 12, 2012

Lugo - uma história galega de terror - 1.

Da janela via as muralhas. Romanas. Património de uma humanidade que, congelada pela onda de frio, apressava-se lá em baixo, entre ela e a muralha. Vendia seguros. Mas, quem pode estar seguro nestes dias que correm?

"Seguros Valenciana, seguro toda a semana!". Vinte a anos a vender seguros, a sua obra-prima. Não se suicidar, não parar, não correr quando os outros mandam mas apenas quando o coração lhe pedia. E que já não pede. Porque não a despedem? Este escritório o único privilégio, não há outro com vista para as muralhas, não há. Privilégio será mas não são muralhas, ou não o foram? Uma muralha é uma coisa boa ou má? Publicitada como o circuito de manutenção mais antigo do mundo - porque não dar umas voltas a Stonehenge, pensara? - há dois mil anos desta janela com vidro duplo veria apenas soldados e fogueiras e tendas, enfim, não veria nada, este ângulo de visão impossível, só se estivesse no mais alto de uma daquelas torres de assalto que os inimigos de Roma não sabiam construir, nada de confusões no tempo, menos ainda no espaço, naqueles tempos fora da muralha era o campo, o gelo, o inverno rigoroso do Conventus Lucencis. Enfim, sabia umas merdas, há vinte anos que vendia seguros, algo mais tinha aprendido, para entreter, para entreter.

Tinha sido ela a pagar os vidros duplos, mas não apenas, não eram poucos os dias em que se confundia e considerava aquele espaço a sua primeira casa, que nem a segunda devia ser, diziam-lhe. Igual a estante na metade esquerda da parede em frente, o espelho assimétrico. E a vela aromártica e o pequeno santuário a Xiva na direita baixa, ao lado do aquecimento. Porque um dia visitaria a Índia. E Bali. E Hong Kong. E África. Um dia. Lá fora o frio gerava a pressa necessária. Sem clientes, porque não a despediam? Era a única que naquela sucursal nortenha de uma empresa sediada no mediterrâneo ainda vendia alguma coisa. A Lurdes mantinha-se porque dormia com o patrão, o Gonçalo era aquele rapaz que nunca dizia que não, tão prático e tão útil, enfim. Ela...

- Silvana, tens cliente! Mando entrar?
- Claro! Que entre!