quinta-feira, fevereiro 04, 2010

Outra grande razão se apresenta

Aproveito aqui o mote do livro que a Assírio & Alvim com a Obra "Grande" do Cesariny para falar de uma outra Obra, nascida nos anos 70 e estendida pelos 80 e 90, e que ainda marca profundamente a poesia que se vai fazendo aqui pelo rectângulo.
Falo dos poemas "Maiores" de Joaquim Manuel Magalhães, nomeadamente do grosso do corpus magnum binário "Os Dias, Pequenos Charcos" + "Segredos, Sebes e Aluviões" (1981), que o poeta propositadamente não incluiu nas duas recolhas de poesia que já executou, bem como o corpo de poemas mais extensos a aparecer quer no "Uma Luz Com Um Toldo Vermelho" quer no "A Poeira Levada Pelo Vento" (1990/93), as outras duas recolhas de poemas que nos anos 90 a poeta contrapôs à sua inovadora produção do início dos oitenta. As siglas "SLOTEN", ou "MAIG" foram o progresso óbvio do "Galante, Vagabundo,Rufião" da década anterior.
A poesia não precisa de hinos, é claro, mas eles acontecem.

Um exemplo:

MAIG

(...)
""Às vezes penso, agora, que nada é a vida.
Um feixe de luz tão funda que tomba
de lado algum. Pequenos prazeres desfeitos
no indecifrável clarão das trocas
e sou eu o que lhes sorri."
Era de novo o balcão de metal, a primeira estrofe,
o sobranceiro coração adiado e conseguia ouvilo
além das tubas quadrifónicas, clangor sem fim.
Soerguia os ombros, com uma pose de cantor
seduzido, o suor corria pela sua máscara
de alvaiade e esmalte de alcatrão.
Pertencia às espécies intermédias,
mais hetaíra que puta, desses
que se não quer uma segunda vez. E dizia:
"Às vezes penso (num outro quaro que repete
todos os quartos com lençóis por mudar)
que sempre chamei vida ao vento de destroços
alagando cidades adormecidas; ao vulcão
que lançou nos ares esta vontade de prender
em lava o pulsar errante do coração.""

JMM, in Uma Luz Com Toldo Vermelho, Presença, 1990.