terça-feira, outubro 06, 2009

MNAA - 2.


—“ A little-known fact: A version of the Internet was invented in Portugal 500 years ago by a bunch of sailors with names like Pedro, Vasco and Bartolomeu. The technology was crude. Links were unstable. Response time was glacial. (A message sent on their network might take a year to land.)”

Esta introdução à exposição, retirada de um brilhante artigo do NYT escrito sobre a apresentação americana da mesma pede, assume, atiça a possibilidade de que esta exposição, esta montra fantástica de tempos portugueses supinos, fôsse algo mais do que a mera enumeração visual de umas dezenas de troféus. Afinal enganei-me.

Está a exposição Encopassing The Globe, etc., no 1º piso do MNAA, Rua das Janelas Verdes, Lisboa. O catálogo é 40 euros, há um guia “rápido” para as peças principais por euro e meio. Recebe-nos no R/C um padrão quinhentista e uma senhora idosa muito simpática a informar, acha ela. Depois, no 1º andar, completamente abandonados à sorte dos visitantes, as peças.

Não querendo comparar esta exposição com a de Darwin na Gulbenkian, obviamente na minha opinião muito menos rica no que diz respeito ao material exposto, não posso deixar de explicitar que 90% das pessoas que visitam a exposição do MNAA não sabem bem ao que vão e saiem dali sem ter aprendido nada. Fala-se muito da iliteracia dos portugueses, mas é maldade expô-los desarmados perante uma “Custódia de Belém”, os “Painéis de S.Vicente”, os “Biombos Namban”, o ”Mapa de Cantino”, a “Adoração dos Reis Magos”, e mais ainda a todo o material “Indo-Português”, “Luso-Nipónico”, “Africano de influência Portuguesa” etc., etc., sem adequado e simplificado e necessariamente bem feito enquadramento textual e visual. Neste sentido, o MNAA, repartição pública onde uns desgraçados nem se importam se a exposição “tem saída ou não”, o mais pesado dos museus portugueses, et pour cause, foi um sítio mal escolhido.
Ao público americano talvez não fosse preciso explicar muita coisa. Ao português é preciso explicar tudo. Por exemplo:

O português não sabe que os Painéis são uma das galerias de retratos mais importantes e fascinantes da história da pintura europeia. Os Painéis são uma espécie da Amália da pintura portuguesa, e pronto! Desconhece que há mais pintura de Nuno Gonçalves. Que esta pintura dialoga e muito com a pintura contemporAnea europeia. Não sabe que Francisco de Holanda (quem?) equiparou este pintor aos grandes da Europa, Leonardo, etc.

O português não sabe que a Custódia de Belém foi feita pelo mesmo homem que escreveu o Auto da Inês Pereira, poeta bilingue curiosamente citado nas antologias da grande poesia castelhana do virar de século – XV-XVI. De Gil Vicente falamos. A Custódia, cuja iconografia esculpida no ouro merecia um romance mais extenso e mais bem escrito que o Código Da Vinci, explicita na bordadura da base – a sua origem, o 1º tributo em ouro recebido por D.Manuel do seu nascente império – africano!

O português desconhece ou não sabe ler o achado curioso de na “Adoração dos Reis Magos” aparecer o Rei Baltasar como um índio americano, muito bem caracterizado. Há aqui a qualidade intrínseca da pintura, muito boa, e este adicional e sumamente exótico sinal dos tempos.

A pintura "Chafariz d'El Rei na Ribeira Velha" mostra sobretudo a presença marcante do negro na sociedade lisboeta de final do século XVI. Que tal ressaltar devidamente isto?

Depois o portugês perde-se na leitura do mapa de Cantino em comparação com o modelo Ptolomaico, apenas 22 anos anterior, onde aparece um novo continente de Norte a Sul no Ocidente, e os mares começam finalmente a ganhar um espaço e uma dimensão verosímil, e África já é África.

A secção brasileira quer mostrar... o quê?

Todo o material iconográfico "Indo-Português", "Sino-Português", "Luso-Nipónico", etc. não é traduzido para português “corrente” e então ficamos uma vez mais pela exibição iterada de curiosidades e “muitas coisas giras”...

Etc., etc.

Claro que o Catálogo dos 40euros foi comprado -  embora o Multibanco já tivesse fechado e portanto ou tinha numerário ou então "desculpe lá"  - e parece ter textos eruditos muito interessantes, mas... enfim, era este o objectivo, no que a Portugal diz respeito? Se a exposição americana era mesmo só isto não era possível reformulá-la para “nós”, os interpostos sujeitos deste passado “glorioso”?

Que ganhou Portugal, este Portugal feito pelos portugueses que eu vi distraídos atender o telemóvel e a arrastar as criancinhas por entre jóias e jóias da inseminação natural portuguesa por todo o mundo dispersa, com os milhões gastos em trazer – refazer – esta exposição cá? Pouco, muito pouco, praticamente nada.


Termino com uma das frases do Catálogo dos 40 euros: “Os marfins sapi-portugueses identificados até à data incluem dez colheres e três garfos.” Daqui fazia-se um excelente painel explicativo de como os portuegues interagiram durante séculos com o artesanato da África Ocidental. Até porque talheres há poucos mas saleiros sapi-portugueses há mais de sessenta! Mas não...

Termino com um excerto do tal guia breve e simplificado de euro e meio: "Totalmente realizado em diversas chapas de tartaruga polida, este prato fundo encontra-se documentado desde 1596 no inventário do Arquiduque Fernando II do Tirol, onde é classificado de indiano."